Estado, desumano estado
Penso que a violência chegou
a tal ponto que definitivamente passou a fazer parte do cotidiano social como um fato natural. Alguns
noticiários falam da violência como algo corriqueiro e característico apenas das camadas mais pobres da população.
Todos os dias ouvimos e assistimos a notícias
da ocorrência de variados tipos de crimes
nas ruas, nos bares, nos
ônibus, nos bancos, nas escolas,
etc. Quando o crime ocorre
nas camada dos mais abastados o espanto é enorme. O fato logo passa a ocupar um lugar de destaque na mídia.
As
pessoas já nem se surpreendem mais com tanta notícia sobre furtos, assaltos,
sequestros, tiroteios, estupros,
etc. Parece que nos acostumamos
a conviver numa realidade
impossível de ser mudada. Uma realidade
que parece fora do controle do Estado, onde as pessoas viraram reféns da insegurança
e do medo. São tantos crimes que
nem lembramos bem daqueles
que foram anunciados no dia anterior. O
povo parece que nem se choca mais em ver
tantos horrores e tantos cadáveres estirados pelo chão. É um tal de salve-se quem puder e
Deus que nos proteja.
A nossa sociedade procura
resolver a questão da violência como se trata uma enxaqueca. Toma-se um remédio paleativo para aliviar os efeitos
da dor naquele momento, e tudo bem. Não
se procura descobrir e atacar as
causas da violência. Grande parte da população chega ao cúmulo de apoiar medidas mais
duras contra os marginais, como
por exemplo, a pena de morte e a redução da menoridade. A indiferença, no entanto, apresenta traços
inspirados na covardia, no medo de se
expor, de se envolver e de lutar por uma sociedade mais justa e mais fraterna. Ficar indiferente
a tudo o que vem acontecendo é
negar que Deus existe. É não
acreditar no direito de felicidade desejado para
todas as criaturas. Mas, afinal
qual o motivo para tanta violência? O que leva uma pessoa a tirar a vida de
outra, de uma maneira tão covarde? De
onde vem essa falta de sentimento
fraternal?
É fato que
algumas pessoas costumam usar exemplos de jovens que nasceram pobres e
conseguiram vencer honestamente. Muitos se orgulham de ter vencido as
adversidades e se tornado um “homem de bem”. Eu costumo seguir um raciocínio de lógica muito
simples para responder a essas questões. A chave da violência está na
injustiça, mesmo reconhecendo que toda regra tem lá as suas exceções. Como a justiça é um dever do estado,
conclui-se que o estado é quem mais
pratica a injustiça. Portanto, se a violência tem origem na injustiça, a responsabilidade maior é do Estado.
Porém, não se
deve restingir o conceito de violência,
levando-se em consideração apenas
o aspecto material, que aparecem nas
páginas policiais do jornalismo. Há tanta violência sendo praticada longe dos olhares da imprensa.
Há tanta injustiça sendo praticada nos porões
do estado que chega a doer na alma. São tantos os exemplos que seria impossível
abranger todos os casos aqui. São violências pra todo o tipo de gosto. Violências que estão presentes em
todas as esferas de poder.
O Estado é a entidade política juridicamente
organizada para cuidar dos interesses de toda a sociedade. A Administração
Pública é o instrumento constituído pelo estado para prestar os serviços que
atendam as necessidades básicas da população. Teoricamente, na legislação tudo parece tão perfeito. Mas, só parece. Porque, na prática, todos nós sabemos o quanto o estado tem sido impiedoso, omisso e negligente quando se trata
de cumpir o seu verdadeiro papel social. Tenho todos os motivos do mundo
para afirmar isso, sem a menor sombra de dúvida: o estado é o maior responsável pelos altos índices de
violência que vem acontecendo no país.
É preciso
que se diga, antes, que a
imprensa tem ajudado muito na
fiscalização e na revelação das barbaridades cometidas pelos órgãos públicos. Porém, a maior parte do tempo dos noticiários é dedicado aos atos de violência física constante nas relações privadas. Porém, quando se trata de alguma
notícia ou denúncia envolvendo figurões do estado, o buraco é mais embaixo. Não há como negar. Apesar
de reconhecer que a imprensa tem contribuído muito para a melhoria da prestação
dos serviços públicos, os seus limites não permitem ir mais longe. Exatamente porque o exercício das atividades de comunicação dependem da concessão do estado. Por isso,
todos devem rezar de acordo com os limites estabelecidos pelo próprio estado.
Todos estão submissos ao controle dos órgãos estatais. O Jornalista que se meter a besta, contrariando os interesses do poder, deve se retratar, do contrário, pode até perder o emprego. Ou então, vai procurar exercer outra profissão. Mas, neste caso, não precisamos da imprensa. A realidade
histórica está aí para provar que não há quem tenha cometido mais
violência contra a humanidade do que o próprio estado.
Contudo, é importante ressaltar que o estado não age e jamais agiu sem que houvesse a mente humana no seu comando. São pessoas
humanas, de carne e osso, que
assumem a direção da máquina administrativa estatal e estabelecem
os princípios e as normas de conduta sociais que vigoram
em todo o país. É do estado o poder absoluto para estabelecer normas de controle social e de determinar o que é Direito.
É o estado que diz e impõe aquilo
que ele considera certo. E são
pessoas comuns que estabelecem formas
estruturais para o exercício do
poder estatal. Lamentavelmente, nem todos aqueles que exercem o poder no estado estão preparados para o exercício dessa magnânima função. São
pessoas malévolas, injustas, improbas, desonestas, maliciosas e indignas da nobre função que exercem. São desumanos e traídores do povo que exercem o poder com
espírito dominado pelo ódio, pelo rancor, pela hipocrisia e pela prepotência. Infelizmente, ao longo de
vários séculos são pessoas como essas
que vem conduzido a sociedade a esse estado de beligerância que temos
assistindo nos últimos tempos.
Cria-se uma falsa imagem da luta do bem contra
o mal, como se o bem estivesse sempre do lado do estado. Alimenta-se a eterna luta do povo contra o próprio povo. São
os policiais assalariados que entram em confronto com a população mais
carente. São policiais, por exemplo, que
vão efetuar a prisão de um morador de uma comunidade pobre e atiram nele,
ao invés de conduzi-lo até uma delegacia. Simplesmente porque o homem estava resistindo
à prisão, alegando inocência. Mas, a polícia não
age assim nos bairros mais ricos. Não
posso ser hipócrita e não incluir nesse exemplo
outros servidores públicos como os
Oficiais de Justiça, que dando
cumprimento a uma ordem judicial
procedem com a retirada de várias famílias humildes de suas casas, para
depois o poder público as colocar em abrigos improvisados, longe do lugar onde
execem suas atividades laborativas, sem nenhuma
estrutura digna para se morar. Talvez
seja preferível mesmo manter
o solo urbano submisso à especulação imobiliária, uma atividade que tem rendido milhões
ao poder econômico e causado tantas injustiças sociais ao longo de todos
esses anos. Talvez seja por causa desse maldito apego aos
bens materiais, que nos transformamos em rivais. Exatamente porque somos criaturas
materialistas demais, estamos alimentando uma luta desnecessária entre o bem e
o mal.
Vários
servidores perdem suas gratificações, enquanto os ocupantes do alto escalão, por razões políticas, conseguem até mais de uma aposentadoria. Temos
milhares de exemplos de desvios de poder, abusos de autoridade, advocacia administrativa,
ingerências, tráfico de influências, corrupção, etc. Mas,
situações como essas não são classificadas como violência contra o povo. O
estado não considera um ato de violência
jogar o povo na rua e por abaixo
suas casas. Depois oferecer cento e cinquenta e um reais como se fosse possível encontrar um lugar decente para morar com a
família pagando um valor irrisório como
esse.
Diante dessa dura realidade, ao invés de se
enfrentar a violência eliminando as
suas causas, optamos pela solução mais
desgastante. Apontamos nossa artilharia na direção de suas consequências. Combatemos a violência com
mais violência. Pelo lado do estado,
criam-se leis cada vez mais
rigorosas, na esperança de que isso possa inibir os criminosos. O estado
tem aumentado o seu contingente policial, deixando uma impressão de
segurança. Mas, sensação de segurança é
apenas e tão somente uma sensação de segurança. Não
significa, de fato, segurança.
Também,
não se considera violência uma estrutura social perversa, que obriga o povo a morar nos morros ou nas margens dos
riachos. Não representa violência as péssímas condições de atendimento nos
hospitais públicos, onde pessoas humildes morrem por falta de atendimento
médico ou são atendidas nos corredores por falta de leitos. Não significa violência o exercício da influência política para manipular e retirar direitos das pessoas humildes que,
por sua condição de inferioridade econômica não conseguem competir com tamanha força política junto
aos órgão públicos. Não se considera um crime de violência contruir uma cadeia para abrigar oitenta presos e colocar mais do que o dobro
lá dentro. Isso não se deve fazer nem com animais. Não representa violência
obrigar uma pessoa a esperar ano após ano confiante no julgamento
justo de um processo originado
porque o próprio estado retirou um direito líquido e certo dos seus
servidores, e no final ver a justiça asseverar essa atitude do estado. A injustiça, fruto da maldade dos poderosos,
cuida para que processos como esse durem tanto que os requerentes muitas vezes morrem sem que o processo chegue ao seu desfecho. O Impressionante é que o crime de racismo é considerado
imprescritível, mas o direito líquido e
certo contra o estado não tem o mesmo tratamento. Se houvesse mesmo justiça, o direito líquido e certo deveria ser cláusula pétrea na constituição e
não deveria se submeter ao instituto da
prescrição ou da decadência.
Quantas pessoas você já ouviu falar que ficou
rica apenas com o exercício da política?
Se formos realizar uma pesquisa de opinião popular em que conste a seguinte frase:
“você confia nos políticos do seu país”?
Eu tenho a plena certeza de que a grande maioria responderá que não.
Mas, por que será? Afinal, os políticos representam o estado. São
eles que exercem o Poder Legislativo e o Poder Executivo. Grande parte deles
ainda são nomeados, por indicação
política, para ocupar cargos jurisdicionais nos Tribunais Superiores. Portanto, a política se impoem como uma força
fundamental dentro da estrutura do nosso
estado democrático de direito. Conclui-se, assim, que, para diminuir a violência o povo precisa melhorar a qualidade dos nossos políticos. Mas isso
depende muito do voto e da consciência
dos eleitores. O problema é que existe
muita gente votando preocupado apenas com
seus intereses individuais.
Diante
desse cenário desanimador, muitos daqueles
que são vítimas dessas injustiças praticadas pelos poderosos do estado, não conseguem ter paz por não aceitarem as
regras desse jogo sujo. A revolta contra
esse sistema maldito consegue transformar pessoas decentes e honestas em verdadeiros monstros. Simplesmente porque elas
se recusam a fazer parte dessa forma de sociedade. Muitos
ficam desiludidos e perdem a razão e o interese de continuar fazendo parte de uma sociedade tão desumana e tão desigual, em que a grande
maioria sofre com a exclusão. Cansados de tanta
mentira, de tanta hipocrisia e de
tantas injustiças, muitos optam por caminhosos tortuosos, e vivem à margem
da sociedade oficial, que acreditamos que seja a melhor pra todo mundo.
De acordo
com dados oficiais, o estado gasta muito
mais com um preso do que com um estudante. Gasta-se bilhões com um sistema de
saúde pública precário porque não
se cuida antes para que pessoas não
adoeçam. Não se investe em moradia popular digna, com esgotos sanitários,
com espaço para lazer, com escolas, com creches, etc. O estado gasta muito mal os recursos
arrecadados porque a corrupção se tornou
uma doença generalizada e degenerativa da virtude e da moralidade pública. A
ambição tem levado o homem a cometer desatinos quando no exercício do poder. Procura-se combater a violência com mais violência para intimidar
aqueles que acaso se atreva a denunciar e a enfrentar o poder.
Até quando vamos continuar nos enganando assim? Até quando
iremos combater a violência com mais
violência? Quando iremos
reconhecer e corrigir os erros praticados há tantos anos? Quando iremos
finalmente nos convencer de que a justiça social é o único antídoto capaz de combater esse veneno que se espalha pelo nosso organismo social?
Será que já não está na hora
de todo mundo sentar para renegociar
essa dívida consolidada e começar a contruir um novo pacto social que seja verdadeiramente mais justo pra todo mundo?
DEUS SEJA LOUVADO.
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