Na vice lanterna

              Semana passa foi divulgado um relatório do Conselho Nacional de Justiça ( CNJ)  que consiste  de uma relação  com  números que representam a  produtividade  dos tribunais de justiça brasileiros.  De acordo com a referida lista,  o  Tribunal de Justiça de Pernambuco se encontra na  penúltima colocação. Isso significa dizer que  temos altos índices de congestionamento de processos nas Varas  esperando por julgamento, enquanto novas ações são impetradas diariamente.  Isso significa dizer também que  a nossa justiça não atende satisfatoriamente  às necessidades  da população usuária  e que é preciso que os órgãos competentes tomem  providências urgentes a fim de solucionar esses problemas. Contudo, para solucioná-los é preciso antes identificar as suas causas.
               Eu fico um pouco constrangido de falar sobre esse assunto,  até porque me sinto parte dessa engrenagem, pois sou funcionário da casa . preocupa-me a  impressão de que tudo acontece por falta de empenho  e  dedicação dos servidores,  o que não condiz com a verdade.  Porque  se o tamanho desse congestionamento fosse mesmo   culpa dos servidores,  tenho a absoluta certeza de que estes já teriam pago o pato, como se diz na gíria. Como todos sabemos, nesse país  a corda sempre arrebenta do lado mais fraco.  
                O  nosso  Sindicato  divulgou em seu site uma nota em que traz informações relevantes e ressaltou  a questão da  incorreção do repasse  do duodécimo  pelo Governo do Estado e a passividade do tribunal de justiça. Destacou também a questão da  remuneração dos servidores e a falta de um plano de carreira motivador, e aponta como a principal  consequência  disto os constantes pedidos de exoneração de recém empossados  que preferem sair  em busca de cargos  melhores em outros órgão da administração,  que ofereçam melhores remunerações e  melhores condições de trabalho.
                Essa é uma realidade que há muito tempo vem sendo  informada à direção do tribunal, que parece não  tem demonstrado  muita preocupação  com essa  realidade.  Mas, sabemos que essas são questões que  o tribunal não deveria deixar de  considerar. Só para se ter uma ideia,  há algum tempo atrás,  era natural  a prática de uma política em que os  percentuais de reajustes dos salários  dos  magistrados eram diferenciados. Era um tempo  em que o tribunal pernambucano,  por exemplo, chegou a conceder  16% de reajuste  para  os  juízes  e  apenas 4% para os servidores. Quem pode  enxergar motivação  numa atitude como esta?
               Até entendo  que esse não seja o momento adequado para  ficar remoendo os erros do passado. Mas é preciso que se faça um estudo detalhado sobre as reais causas  que contribuíram e contribuem para um número tão elevado de processos parados nas Varas, muitos deles, inclusive, sequer com  a sentença de pronúncia ou despacho saneador. E olha que hoje em dia  temos os computadores para substituir as antigas sentenças manuscritas.
           Eu acredito que o excesso de burocracia contida  na lei  processual  tem contribuído e muito para  o acúmulo de  processos nas Varas. Mesmo tendo sido reformado há pouco tempo, o código de processo civil  e penal ainda continuam com muitos entraves que dificultam o bom andamento  e a rápida solução da  lide. Some-se  a isso  o  preciosismo de alguns   juízes que, dotados de poder de jurisdição, muitas  vezes  se apegam a detalhes  meramente  procrastinatórios, como  a contante ameaça de sofrerem processos administrativos.  Há um  cuidado exagerado quando na hora de  tomar uma decisão com base nas provas constantes nos autos. Por alguma  questão de foro íntimo, muitas vezes, alguns juízes optam por um comportamento  singular, esquecendo do seu verdadeiro papel  social. Então, é preciso que o tribunal defina um padrão de conduta que seja obrigatoriamente  observado por todos os juízes.
               Apenas para ilustrar, quero trazer um pouco da minha experiência como  Oficial de Justiça e  trazer um exemplo  que talvez possa deixar mais nítida às questões a  que  me referi.  Numa ação de despejo ou de busca e apreensão,  por exemplo, o código de processo civil  é bastante claro  ao expressar   que o Oficial de Justiça  poderá adentrar  o imóvel  para dar efetividade ao  cumprimento do respectivo mandado. Contudo, alguns juízes   entendem que, devido aos direitos constitucionais,  o Oficial de  Justiça não poderá adentrar o imóvel ocupado sem a  autorização da parte ré. Para tanto, o Oficial de Justiça deverá portar um  mandado  que contenha uma  ordem específica  de arrombamento.  Caso contrário,   o mandado deverá ser devolvido à Vara. Porém,  mesmo com a ordem de arrombamento em mãos, se houver  alguma resistência da parte ré, o Oficial de Justiça  deverá recolher o referido mandado sem cumprimento  a fim de que o juiz solicite o devido apoio de força policial. Ora, essas  são medidas que deveriam constar do mandado desde a primeira diligência realizada pelo Oficial de Justiça. Pois, para cada mandado recolhido sem cumprimento, há  em média,  a duração de seis meses até  que tudo seja resolvido. Isso acontece também com as ações de reintegração e de imissão de posse.
              Longe de mim pensar que apenas essas questões seriam responsáveis pelo acúmulo de  tantos processos. Mas, imagine  esses casos multiplicados por mil.  Imagine  outros casos com diferentes causas de devolução por motivações diversas que poderiam perfeitamente serem saneadas em curto espaço de tempo.  
                Portanto, das duas uma: ou  o tribunal estabelece  um procedimento  comum  para que todos os juízes  sigam  uma redação  padrão, comum a todos os  mandados com a  mesma finalidade, ou  o Oficial de Justiça  será obrigado a  recolher  mandados  dessa natureza,  quando não   constarem  expressamente  a ordem de arrombamento  e um  oficio  encaminhado à Polícia Militar,  solicitando  o devido apoio para o  cumprimento da  ordem emanada.  Sabemos que  é previsível  haver resistência da parte ré, mas uns juízes pensam de uma forma e outros pensam de outra de modo que  algumas Vara caminham e outras permanecem paradas.

                Eu  mesmo já fiz um despejo, sozinho, onde  já  estava no  terceiro Oficial de Justiça enviado  para cumprir o mandado. Mesmo assim, não havia ordem de arrombamento nem pedido de apoio policial junto ao mandado. Cheguei a ser  constrangido pela parte ré e seu advogado, os quais  tentaram me intimidar, mas  continuei firme no meu propósito e depois de muita negociação  consegui domar as feras  e entregar  o imóvel completamente  desocupado ao seu legítimo dono, que já estava descrente com a nossa justiça por conta do tempo que teve que esperar e por conta das manobras que teve que enfrentar.  Deus salve o nosso povo.

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