"Crescei e povoai a terra"

 Semana passada foi divulgado a notícia de que o Papa Francisco iria fazer uma pesquisa popular  sobre temas polêmicos, como casamento gay, divórcio e uso de mecanismos anticoncepcionais. Numa entrevista concedida a uma rede de televisão, um bispo fez questão de deixar claro que era absolutamente contra o divórcio e que as pessoas nem fosse alimentando essa possibilidade porque as mudanças na igreja não chegariam a tanto.
 Se tem uma coisa que me deixa bastante indignado é a tal da hipocrisia. Creio que quando Deus disse que  a humanidade crescesse  e se multiplicasse não pretendia que os pais tivessem filhos sem a liberdade de escolher o momento e a  oportunidade de engravidar. Considerando que naquele  tempo não existia outra maneira de uma mulher  ficar grávida senão através da atividade sexual, temos que o sexo não era considerado um ato feio nem pecaminoso, mas algo oriundo da própria natureza.  Por isso, não creio que  Deus também quisesse, por exemplo,  que  uma mulher tivesse que viver submissa ao homem e ter uma quantidade enorme de filhos  sem  as necessárias  condições básicas  para  criá-los e educá-los de uma maneira digna e feliz.  Porque  isso seria   como dar uma importância muito maior à quantidade  e não à  qualidade.
 Como todos sabemos, foi a igreja  que criou o sagrado laço do matrimônio, o casamento,  como única forma de constituição religiosa  da família. Isto é, todo casal  que pretende ter filhos  deve antes casar-se e  fazê-los depois de casar-se. Pois, a prática sexual  antes ou fora do casamento é um ato pecaminoso e condenável. Por outro lado, a igreja considera o  casamento  um ato indissolúvel, isto significa dizer que uma vez casados,  as pessoas  não poderão mais se separarem e permanecerão  casados para o resto de suas vidas, queiram ou não queiram. Certamente foi esse comportamento  anacrônico que levou a sociedade a  criar e difundir  o regime da união estável e a separação de fato.
  Não muito tempo atrás, a mulher sequer tinha o direito de escolher o seu marido, o qual era escolhido  por mera conveniência familiar e a usava apenas para procriação. De modo que os homens tinham a plena liberdade de buscar prazeres nos prostíbulos. E isso era visto de maneira natural pela sociedade em geral. A hipocrisia era tão grande que  se a mulher casada  tivesse um filho de outro homem, a criança seria considerada como se do marido fosse. Por outro lado, se o homem  engravidasse uma mulher solteira nas suas costumeiras  relações extraconjugais, a criança seria considerada bastada e não seria reconhecida como legítima por nenhuma instituição. Um tempo em que as mulheres eram muito mais vítimas do que esposas, por conta de uma sociedade  firmada sob o princípio da hipocrisia.
    Em um passado recente, mesmo sendo casadas conforme as normas religiosas, várias  mulheres foram  abandonadas por seus maridos, os quais  deixaram suas vítimas  sozinhas,  com um elevado número  de crianças para cuidar. Porém, nem mesmo  essa realidade parece  convencer  os ditos especialistas em Deus  a mudarem seus discursos e aceitarem uma verdade que é incontestável. Muita gente morreu de fome, sem casa, sem emprego, sem qualquer apoio social..
       Muitas crianças que foram abandonadas eram oriundas de famílias  que se casaram de acordo com as normas religiosas vigentes, numa época em que era bastante  comum a mulher ter seis, dez, doze, vinte filhos, às vezes até mais.  Isso sem contar com tantas outras crianças que, antes de completarem um ano de idade, morriam  de fome ou por  falta de cuidados médicos. Sem esquecer que existem ainda  muitas outras famílias  que, apesar de não terem problemas econômicos,  padecem pela falta de uma convivência mais amiúde entre seus membros, porque os pais estão normalmente  ausentes por conta de seus compromissos. São pais que deixam seus filhos aos cuidados de outras pessoas e procuram compensar a ausência com excesso de liberdade e presentes caros, que  muitas vezes  estragam  ou  deformam  o caráter e a personalidade dos seres  em desenvolvimento. O consumo de drogas  tem a ver com esses fatos, certamente.
   Por falar nesse assunto, não poderia esquecer de dizer que nos anos oitenta, tivemos uma explosão demográfica bastante acentuada  que elevou significativamente o número de habitantes no Brasil. Foi  nesta época  que surgiu uma discussão bastante  acirrada envolvendo diversos líderes religiosos sobre o uso da  pílula anticoncepcional  feminina. Lembro que questionei  uma colega que fazia parte da religião espírita e ela  se posicionou  absolutamente  contra qualquer forma de controle da natalidade, pois, segundo ela, havia muitos espíritos precisando reencarnar, a fim de concluir  o processo de sua evolução. Era preciso que  os espíritos reencarnassem  várias vezes  neste planeta para  que pudessem pagar  ou corrigir  erros cometidos em outras vidas, libertando-se, dessa maneira,  de  suas dívidas passadas  e assim  pudessem  finalmente  evoluir para um plano melhor, um plano  superior e alcançar um lugar mais próximo de Deus. Confesso que na época foi uma explicação bastante convincente que  acreditei.  Até que  os estudos e as experiências ao longo da vida  me deram a oportunidade de  perceber que as coisas não eram bem assim, pois a população  crescia vertiginosamente a cada dia, e o número de crianças abandonadas  perambulando pelas ruas aumentava e tudo parecia uma bola de neve que  aumentava  juntamente com  os problemas sócio econômicos do país. Na realidade somos nós mesmos que precisamos evoluir e construir uma sociedade melhor, não os espíritos. Que me perdoem os colegas que acreditam na reencarnação como fundamento da vida aqui no planeta.
  Por  esse motivo, acredito  que  é chegado o momento em que  precisamos repensar  o mundo que temos construído desde então por conta de certas crenças religiosas sobre a continuidade da espécie e como  a religião deve  interferir na vida das  pessoas e nas atividades do estado. É  preciso que as religiões acabem com  esse velho costume medieval  de se imiscuir  na política do estado e na  vida das pessoas,  em nome de uma tradição  que só tem iludido e  prejudicado a vida de  muita gente. É por conta dessa hipocrisia, por exemplo,  que muitas favelas  foram criadas para abrigar  pessoas excluídas da sociedade, porque não havia como os governos  realizar um planejamento  eficiente,  capaz de abrigar  uma população tão numerosa, que cresceu em  tão curto  espaço de tempo. E isso não ocorreu  apenas por conta do sexo praticado  antes ou fora  do casamento, mas por que se criou um tabu em torno de uma questão que poderia  e pode ser resolvida na base da educação.
  Problemas sociais como crianças abandonadas oriundas de famílias com baixo poder aquisitivo, pobres  no sentido lato da palavra, chamadas de menores abandonados, ajudaram a  questionar  a crença de  que toda a atividade sexual  humana deva  acontecer  exclusivamente dentro de uma unidade familiar tradicionalmente reconhecida  pela igreja,  pois o  objetivo da atividade sexual  não deve ser outro senão o de garantir  a  proliferação moral da espécie humana no mundo.  Isso significa que, visto do ponto de vista do prazer  ou da satisfação de uma necessidade fisiológica, o sexo é condenável e considerado um pecado mortal, uma coisa feia capaz de incutir  na mente das pessoas  um sentimento de culpa  e   até de causar-lhes   problemas de ordem psicológica. Mas, a fome, a miséria e a exclusão social são considerados como coisas do destino de cada um.
 Dá pra perceber que o mundo  necessita urgente de  uma nova igreja.  Uma  igreja   que renasça e se posicione  ao lado das pessoas, que caminhe com elas como o fez Jesus,  e não acima delas ditando normas. Uma igreja  que cuide  mais do seu povo, pois  toda e qualquer entidade são formas ocas que necessitam de pessoas  que tenham vida e exerçam o seu papel. É preciso, então,  melhorar a qualidade dos seres humanos  para que as  entidades e as famílias  possam ser melhores.
 É preciso acabar com tanta hipocrisia em torno dessas questões e enfrentar esses tabus milenares. É preciso  reconhecer que sem um efetivo  controle da natalidade, sem uma orientação familiar que siga um planejamento e um programa de  incentivo a uma concepção com responsabilidade,  vamos todos continuar enxugando gelo e  permanecer  assistindo a essa degradação social, como se nada pudesse ser feito para impedir tanta desgraça e tanta desumanidade, porque  já  não nos satisfaz apenas  a consciência  do falso dever cumprido e  a repetição de  uma frase secular que  ouço há muitos anos: Deus proverá.






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