Sobre o prazer

                      Não tenho nenhuma dúvida de que o conceito de felicidade humana está profundamente relacionado ao  sentido  e a ideia de prazer.  Buscamos  a felicidade  em todas as formas possíveis de prazer, e não há como conceber que uma  pessoa  se declare feliz sem   que necessariamente se faça  uma  imediata correlação com alguma sensação  de prazer que ela  deva estar  sentindo naquele  exato momento.  Quando usamos essa terminologia, muita gente costuma equivocadamente pensar  no prazer  apenas  sob um dos seus  aspectos: a sexualidade. Mas  existem muitas outras formas de sentir  prazer, sem que necessariamente haja  qualquer vínculo  libidinoso. Podemos sentir  prazer ao ouvir uma bela música, por exemplo. Sentimos  prazer  quando apreciamos uma linda  paisagem, fruto de uma  natureza  tão exuberante.  Prazer em viajar, prazer na leitura, prazer em dançar, em jogar. Sentimos o prazer até nas coisas mais simples e mais cotidianas  que  fazemos  como  apreciar uma boa  comida e uma boa bebida.  Como assistir a um bom filme ao lado de quem tanto amamos ou  até mesmo escrevendo um  pequeno texto falando  sobre prazer. 
                    No imperativo desejo de se impor como uma doutrina divina diante da  falta de conhecimento  do povo,  alheias aos problemas sociais e aos traumas psicológicos  causados aos seres humanos por conta da repressão ao prazer, há séculos,  muitas religiões  condicionam o  congresso sexual  ao  prévio matrimônio,  que  se apresenta  com um sentido meramente procriativo, em  extrita obediência ao mandamento de preservação  da espécie.  Para a igreja, ainda se aplica a velha e boa argumentação: a de que  muitos estão escravizados pelas tentações desse mundo. Sexo  sem casamento  é considerado um ato pecaminoso gravíssimo  e  uma verdadeira  ofensa às normas dogmáticas  religiosas. Uma conduta excludente, capaz de condenar o pecador a uma  morte despresível  de eterna permanência no inferno, por descomprir a vontade do Criador. Deus passa a ser usado, então, como o  principal antagonista  numa  história certamente   oriunda de mentes tradicionalistas,  temerosas em perder o poder e o controle da vida das pessoas, as quais,  por imposição do  medo,   continuam  acreditando que o sexo  seja  uma coisa feia  e  vulgar,  que deve ser apreciado  apenas como um meio para a  procriação e não com a finalidade de sentir  ou dar prazer. Como se Deus tivesse criado  a nossa libido   para que soframos  com a  dor da  abstinência  ou com o sentimento de culpa por  não  sermos  capazes   de resistir  ao desejo de  satisfazer  ma necessidade originalmente tão bela.
                      Nesse aspecto, qualquer desvio no padrão de conduta estabelecido pelas doutrinas religiosas é considerado um pecado mortal, que normalmente   se traduz  em um sentimento  de culpa, por não termos  conseguido  suportar, com a grandeza dos  santos,  tamanho desejo  e sucumbido  diante de  algo considerado  uma tentação do mal.  Por causa da hipocrisia,  muitos  valores  são  subvertidos, e chegamos a imaginar  que o sexo  seja  algo  terrivelmente monstruoso e imoral,  que deve, inclusive,  ser evitado  até  nas conversas em público, como se a sexualidade  não fizesse parte da própria natureza humana. A exposição do corpo passa é considerado algo ofensivo ao pudor. Uma verdadeira agressão à moralidade e aos “bons costumes”.
                      Lamentavelmente nos encontramos no meio de uma verdadeira batalha  entre valores antigos e modernos. São normas  e  conflitos  comportamentais que nos impulsionam  a um profundo questionamento na busca do verdadeiro sentido  ético e moral  do prazer,  em consonância com a real  vontade divina. Em muitos  aspectos, os  prazeres   meramente carnais ainda  são  bastante sensurados  por diversas religiões e por  pessoas que  continuam  envolvidas pela crença de que a sexualidade humana  deve ser controlada pelas religiões, principalmente quando esses prazeres   estão  expostos  de  uma maneira tão revolucionária.    O sofrimento  causado pela abstenção dessas formas  de  sentir prazer passa a ser  defendido, então, como uma expiação para o crescimento da alma e conforto daqueles que desconhecem a verdade.  Talvez seja por isso que mentimos  tanto para nós mesmos e criamos histórias como a da cegonha trazendo  bebês no bico. Talvez seja por isso que evitamos conversar abertamente com os nossos filhos sobre um assunto tão importante na vida deles como  a sexualidade.
                     Sei que muitos buscam o prazer de maneiras  erradas, que comumente causam dores e sofrimentos , que destroem a  saúde e a vida de muita gente.  Penso que muitos   se sentem incapazes  diante  de uma  sociedade  tão egoísta e voltada para si mesma como a nossa e sucumbem porque se consideram  incapazes de repetir as performances e as façanhas  daqueles que  consideramos verdadeiras estrelas,  insuperáveis vencedores em uma cultura de competição  predatória. Muitos sucumbem diante das  ilusões dos  prazeres   efêmeros e destroem o  pouco de dignidade que lhes resta. Muitos acabam se perdendo  na escuridão do  abismo  da violência  e das drogas,  na busca desenfreada pelo prazer escravizador  Contudo, é preciso  que o prazer seja   produto de atos  praticados  com  equilíbrio, na plenitude da consciência e no domínio da vontade.   E isso deve fazer parte de um amplo projeto de educação patrocinado pelo poder público,  onde  especialistas em ciências  comportamentais  possam orientar e auxiliar  às famílias e aos pais na formação  dos  seus filhos. 
                     O congresso sexual deve ser fruto da soberana liberdade de cada ser humano e deve ser praticado sempre com responsabilidade e respeito mútuo. Não  pode ser confundido com  os evidentes casos de violação e  subversão dessa liberdade, exemplos de mentes doentias que encontram na exploração sexual de crianças e adolescentes,  ou no estupro de mulheres,  uma criminosa  forma de  prazer, desviando-se do direito  constitucional   que cada pessoa tem de  dispor  do seu  próprio corpo.  Contudo, algumas  formas estranhas de compulsividade,  por fugir aos padrões de normalidade e equilíbrio  que se  espera  numa  mente  sã, o que, em muitos casos,  deve ser melhor estudado pela ciência e,  por enquanto,   tratado como uma doença grave.
                   Não só do pão viverá o homem, mas também do pão. Assim, a verdadeira felicidade  também se traduz na realização dos  desejos  sexuais de cada pessoa  e  não deve confundir-se com pecados  nem alimentar um  sentimento de culpa capaz de causar danos irreversíveis às mentes humanas.  Pois,  se tudo for feito com responsabilidade e lucidez, os conflitos individuais causados pela repressão  aos prazeres mais legítimos relacionados à sexualidade,  que fazem parte da própria natureza humana, mas que lamentavelmente tem levado tanta gente a viver na  dependência   de remédios,  certamente acabarão. Quem sabe assim,  um dia, não  deixaremos  de ser um dos maiores consumidores de antidepressivos do mundo,  na maioria das vezes,  por conta da infelicidade  oriunda dos prazeres  sexuais não realizados. Como disse  em outras oportunidades, “tudo podemos  Naquele que nos fortalece”.     

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