O fenômeno da caridade.
E disse o Senhor Jesus: “O Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás
o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu
entendimento e com todas as tuas forças’. ‘Amarás o teu próximo como a ti mesmo’.
Não há nenhum mandamento maior que estes”.
( Mc 12,28b-34
)
Muitas religiões interpretam esse mandamento de uma maneira que não me agrada muito. Quando se diz que fora da caridade não há salvação, parece que a caridade é mais importante do que o amor. Na verdade o mandamento maior é amar e amar sempre. A
caridade deve ser entendida como
uma manifestação, um gesto desse amor para com
a pessoa do outro. Em
alguns momentos, ela se caracteriza pela doação de esmolas para aqueles que estão
necessitados. Como cristão, não posso
ser contra à prática da doação de esmolas aos que estão passando por
dificuldades, mas não consigo aceitar que a prática desse tipo de
caridade permaneça infinitamente no seio da nossa sociedade, sem que se procure exterminar as causas de sua existência. Porque
para mim, a caridade
verdadeira significa, por exemplo, a
doação, ainda em vida, de um dos rins para salvar a vida de alguém, um transplante de fígado, a doação
de sangue, de medula óssea, a união de
forças para construir moradias
para aqueles que estejam dormindo ou perambulando pelas ruas . Enfim,
é doar a própria vida para salvar milhões de almas perdidas. E isso são coisas para poucos.
Por isso, prego um amor sem limites e sem condições. Um
amor que
seja capaz de acabar com tantos
dependentes de caridades. Porque não vejo glória alguma naqueles materialistas que se exaltam e enxergam na miséria alheia uma forma de
enganar aos outros, sem saber que, na verdade,
estão enganando a si mesmos. Jamais conseguirão enganar ao Criador. Bem sei o quanto o homem precisa aliviar o peso de sua consciência
praticando atos de benevolência. Contanto
que isso não cause perdas
consideráveis ao seu patrimônio. Talvez para não ter que encarar esse modelo social perverso, tão repleto de injustiças e iniquidades que
ele mesmo criou e ajuda a manter por causa do seu egoísmo.
Hoje todos sabemos que muita gente
acumula riquezas que foram construídas no passado, a partir do sangue derramado de
muitos trabalhadores, de muita gente
honesta que
viraram escravos diante da força
de exércitos invasores, inimigos dominadores,
que invadiam territórios para confiscarem
suas terras. Muitos eram pessoas humildes, de famílias pacíficas, que
só queriam viver em paz. Mas a ambição e o incontrolável desejo de expansão ,
desde épocas remotas, estabeleceram a grande regra do mundo moderno: a lei do mais forte e do mais esperto. Quando a era das grandes
invasões passou a reinar sobre
nossa terra, a lei do mais forte e dos exércitos bem armados cuidou em manter, até os dias
atuais, essa estrutura predominantemente
injusta, depois de haver confiscado o domínio da terra e dividindo o mundo entre duas grandes partes: a
daqueles que possuem bens e os meios de
produção, portanto, donos de todas as
grandes propriedades, concentrando a
maior parte das riquezas produzidas nas mãos de uma minoria abastada, e, do
outro lado, aqueles que nada possuem a
não ser sua força de trabalho, a qual necessitam vender a preço vil para conseguirem sobreviver, ainda que sem as mínimas condições
de dignidade humana. Essa sobrevivência se mantém naturalmente por absoluto
interesse daqueles que exploram essa
força de trabalho, exatamente porque, sem ela, não poderiam manter-se em sua escalada milionária.
“ Segundo o Papa Bento XVI, a atividade caritativa cristã «não é um meio
para mudar o mundo de maneira ideológica, nem está ao serviço de estratégias
mundanas, mas é a atualização aqui e agora daquele amor de que o homem sempre
tem necessidade». A Caridade é, pois, a expressão do serviço aos outros, de
gratuidade, de partilha e de generosidade desinteressada. A Caridade é uma
atitude do espírito que expressa sua realidade transformando-se em ação: «Não
amemos com palavras nem com a língua, mas com ações e em verdade» (1Jo 3,18). In site: (
http://kantdevoronha.blogspot.com.br/2011/06/caridade-como-plenitude-da-perfeicao.html ).
A verdadeira caridade, portanto, não pode ser confundida
com um simples gesto de benevolência ou
liberalidade como pensam alguns. A caridade não pode ser resumida apenas a atos de aparentes desapegos materialistas, como a simples
doação de roupas usadas ou de algumas moedas que sobram no bolso. Isso não é cristão. Pode até ser que, em alguns momentos, diante
da urgente e imperiosa necessidade de alguém, um gesto
de nobreza talvez nos conduza
à prática do socorro imediato e emergencial daqueles que estão em precárias
condições de vida, mas isso não deve se
estabelecer, a título de um conformismo, diante das várias situações que clamam por atitudes mais desafiadoras e mais corajosas.
Atitudes mais contundentes e menos covardes, no sentido de, pelo menos, tentar diminuir as desigualdades
que dão sustentação a um sistema eivado de injustiças sociais. Um mundo dividido entre aqueles que concentram um grande volume de riqueza nas mãos, que vão muito além de suas necessidades
individuais para viver, enquanto outros
lastimam sua sorte por ter nascido numa classe social estigmatizada pela fome e pelas péssimas
condições de soberevivência.
Lamentavelmente, ainda encontramos defensores da tese de que a miséria é uma condição fundamental
para o crescimento espiritual. Por isso muitos ignoram aqueles sem
teto, sem terra, sem nada. Prega-se a teoria de que todos que se consideram seguidores de Cristo deverão
ter fé, pois passarão, inevitavelmente, por
humilhações, perseguições, fome, miséria, abandono e por muito sofrimento. Porque
esse mundo foi criado
exatamente para isso. Iludidos
com os falsos ensinamentos dos hipócritas, muitos apontam o
dedo na direção daqueles que se insurgem contra a permanência
dessa situação degradante. Uma enganosa e já insustentável teoria da eterna luta do bem contra o mal. Aliás, um mal que sempre foi e continua sendo definido e caracterizado por aqueles que
ocupam as cúpulas de várias entidades religiosas. Como se essa
sociedade, tão cheia de iniquidades, de
tantas mentiras e históricos privilégios nas mãos de pequenos grupos, fosse
estabelecida dessa maneira pelo próprio Deus. Como se essas
diferenças fossem sinônimos de um necessário aprendizado, adquirido através do sofrimento e das carências do povo. Acaso
um pai amoroso colocaria à mesa uma comida de boa qualidade para uns filhos e para outros daria aquilo que é servido aos seus porcos?
Será que um bom pai levaria seus
filhos a uma loja e compraria roupas
boas e de marcas para uns e deixaria as roupas usadas para os outros? Que aprendizado espera-se
alcançar com esse tipo de procedimento? Que reconhecimento esse pai espera
alcançar nos céus?
Definitivamente, essa não pode
ser a regra geral do universo. Um universo para o qual parece ser indiferente à quantidade de riquezas ou da
linhagem a que uma pessoa possa pertencer neste planeta. Não há como se justificar tanta
fome ou tanta miséria diante de Deus.
Numa terra onde todos nascemos absolutamente iguais, com as mesmas necessidades orgânicas, que nem preciso enumerá-las aqui. Um universo
que, indiferente aos que se
julgam criaturas superiores, concedeu asas apenas aos pássaros para que possam voar livremente. Aos seres humanos,
esses superiores mortais, foi destinado apenas o dever de caminhar
de mãos dadas e pés firmes nesse chão, amando-se mutuamente, na direção do bem-comum.
Há de chegar
um dia em que o homem não precisará se humilhar tanto diante de outro apenas para ter um prato de comida em sua mesa.
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