Esse dono somos nós.


                   Uma das grandes características  no serviço público são os  queixumes dos servidores. É  muito comum  ouvir  desabafos de alguns colegas, ora criticando a  insuficiência de pessoal, ora lamentando os baixos salários, ora  criticando algumas atitudes duvidosas  tomadas pelos chefes do poder.  Muitos deixam  transparecer,   por trás do medo,  uma certa  insatisfação com a política implementada pelos gestores da administração pública. Acho bastante salutar  o  sagrado exercício do  direito  de criticar. Eu, por exemplo, costumo exercer algumas  críticas,  mas  também gosto  de ser criticado. Porque isso me dá a oportunidade de repensar as coisas que estou fazendo. Isso me dá a oportunidade  de  melhorar como pessoa. Apesar de concordar que as vezes algumas críticas são infundadas e injustas. Mas, nem sempre   permanecer na crítica é suficiente para mudar alguma coisa. Tem  momentos  que é preciso fazer muito  mais do que isso. É preciso agir com  coragem e inteligência  para lutar contra uma estrutura tão poderosa como a do  Estado.
                Mas, por um momento,  os  burburinhos causados pelas variadas vozes que se cruzam na pequena sala onde trabalho me levaram  a  uma reflexão. Um  insistente questionamento, ávido por resposta,  começa a martelar na  minha mente: Afinal, os poderes do Estado têm donos? Quem seriam então esses  donos?  Sim, porque no âmbito da administração privada temos  alguém que pode ser considerado o dono ou donos  de uma determinada empresa. Como legítimo proprietário,  a pessoa pode decidir os rumos e as metas que  achar necessária para o melhor desempenho de sua empresa, de acordo com o seu entendimento.  Ele contrata e distrata com quem ele quiser, da maneira que mais lhe convier. Mas, e na administração pública, quem é o dono ?  Perguntando mais especificamente, no meu caso, quem é o dono do poder judiciário? Será  sua Excelência, o Presidente do Supremo Tribunal Federal?  E no caso  do Tribunal de Justiça de Pernambuco, será  que o dono é o seu  Presidente,  juntamente  com os demais desembargadores? Se a resposta for sim. Não há nada  mais o  que se discutir  a esse respeito e esse texto deve  terminar   exatamente nesse ponto. Porque  dono é dono e ele tem o direito de fazer  o que melhor interessar  à sua empresa. Afinal, ele é o  dono. E isso deve ser respeitado. Porque na qualidade de legítimo proprietário daquele poder, um presidente pode dispor de tudo da maneira que achar melhor. Contudo, se a resposta for não, então,  temos que prosseguir e tentar descobrir  porque algumas pessoas têm tanto medo de cobrar  explicações das autoridades   sobre  certos comportamentos de  alguns maus  gestores  de órgãos públicos,  que muitas vezes agem como se fossem  donos da coisa pública, como se  pudessem usar e dispor  de todo o acervo patrimonial  desses  órgãos, na qualidade de legítimo proprietário, sem dar satisfação a quem quer que seja.
                     Eu não sei se a maioria acredita mesmo que  os órgãos  da administração  pública  possuem donos  e que esses  donos  sejam naturalmente aqueles que estejam no exercício da presidência do  referido órgão. Eu só sei que  isso não corresponde com aquilo que me foi ensinado em sala de aula. Não encontrei nenhuma doutrina que fizesse  tal  afirmação. Também não há qualquer respaldo jurídico  na  nossa Constituição  Federal ou Estadual que  confirme que a cúpula dos poderes constituídos tem mesmo o direito de disposição sobre o patrimônio público.  Portanto, eu só posso acreditar que  se existe um legítimo dono de tudo o quanto faz parte do Estado, esse dono é o povo. Isso significa  dizer que esse dono  sou eu, é você, somos todos nós.  Porque o povo é representado por cada um de  nós. Isso significa que, na qualidade de povo e, por conseguinte, de legítimo dono da coisa pública, temos o direito de cobrar explicações pelos atos danosos  praticados contra o interesse do povo.  Por exemplo, se falta material de expediente numa determinada repartição, dificultando a prestação dos serviços à população, o povo tem o direito de ser devidamente informado a respeito dos motivos que  levaram a tal situação.  Se uma autoridade concede um  determinado aumento salarial para si mesmo em detrimento da grande maioria do povo, ela tem  o dever de prestar os  esclarecimentos necessários  e explicar porque tomou tal atitude.    Então, é preciso que cada um tenha consciência do limite dos seus direitos e de seus deveres como servidor público. Para  que ninguém saia por aí plantando uma ideia que já está  absolutamente ultrapassada: a  de que quem exerce o poder tem o direito de  fazer o que lhe der na telha sem ter que prestar contas a ninguém.
                  Acho que o princípio da  legalidade, que tanto tem servido para dar sustentação a tanta imoralidade praticada por alguns gestores, não deve continuar a isentar aqueles que agem de má-fé na administração pública. É preciso que separemos o joio do trigo. E nesse aspecto, não há como desvencilhar o princípio da legalidade do princípio da moralidade pública.  Porque tem atos administrativos que podem até, por um lado, obedecer  regularmente ao princípio da legalidade, como muitos abrem a boca para dizer que tudo foi declarado legal pelos órgãos de controle. Pode até ser que certos atos administrativos sejam realmente considerados legais, mas alguns são de uma imoralidade tão aviltante, tão ofensiva  que  chegam a  causar nojo.  É tanta cara de pau que se usa na hora de prestar os esclarecimentos,  que  chego a pensar que  a seriedade e a vergonha são valores condenados à  extinção na administração pública.
                   É preciso que as pessoas aprendam a  fazer uso dos mecanismos legais   disponíveis para  enfrentar e combater esse mal chamado corrupção, essa praga que se alastra em todos os níveis  e em todas as esferas de poder.  Mas, para isso, é preciso que existam  representações fortes e dispostas a atuar com  isenção e coragem, com garantias de estabilidade, que representem os interesses  de cada  categoria, e que  tenha legitimidade para cobrar explicações de qualquer autoridade  que exerça atividade pública, independente do nível de seu cargo, desde que haja fundadas suspeitas de mau uso do erário público. E, caso essa explicação não seja satisfatória, e nenhuma providência for tomada, que o caso seja denunciado  à imprensa, a fim de que todos tomem conhecimento do que está acontecendo. Porque o erário é uma questão de interesse de todos os que são donos.
                  Aliás, não se pode admitir, sobre qualquer pretexto ou justificativa, que seja controlada a liberdade de imprensa. O povo deve repudiar, como medida acautelatória e imediata, qualquer governo que demonstre  pretensões  deliberadas  de  exercer  qualquer espécie de controle sobre a liberdade de imprensa, por melhores que possam parecer os  seus argumentos.  Estou falando apenas de imprensa oficial. Porque  nem sempre o que se publica na  internet,  por exemplo,  merece credibilidade. Pois há muito lixo que não tem nenhum fundamento na imprensa oficial e  por isso não tem compromisso com a  verdade.
                 Portanto, um conselho que dou a todos os colegas que costumam ficar apenas a nível de  reclamar e criticar os chefes dos  poderes, apenas pelos corredores,  com medo de se apresentar, que procurem antes filiarem-se  aos  seus  sindicatos  e cobrem  atitudes mais eficientes e eficazes de seus representantes. Cobrem  a prestação de contas dos atos que foram praticados por eles  em defesa dos seus direitos.   Procurem exercer o seu direito de  legítimo dono, antes que outros o façam.  Procurem lutar para  defender os seus interesses  contra  os  enganadores que ocupam cargos no mais alto escalão apenas para se locupletarem  desse patrimônio que pertence a todos nós. Acreditem, não conseguiremos nada  sozinhos. Não devemos lutar por benefícios pessoais, mas  antes lutar por um estado que  seja comandado por gente honesta, transparente, que tenha sempre em sua mente um pensamento  fundamental: Eu não sou dono de nada. O dono é o povo para quem  devo trabalhar e servir com humildade, sempre.

            

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