Salve o dia do oficial de justiça
Dizer que a Justiça brasileira é lenta, já não
é mais nenhuma novidade. Para confirmar essa verdade, basta fazer uma simples pesquisa
nos arquivos dos órgãos do nosso judiciário espalhados pelo Brasil afora. Certamente
encontraremos vários e vários exemplos de processos parados há anos ou caminhando
a passos de tartaruga. Sem nenhuma explicação plausível. São processos que chegam
a durar cinco, dez e até mais de vinte
anos, sem que se consiga chegar ao seu desfecho.
Muita gente questiona: por que será que os
processos judiciais ficam tanto tempo parados?
Será porque faltam Juízes? Será
porque faltam servidores? Ou será que é
isso junto e muito mais?
Apontar um culpado, talvez não seja a melhor solução
e nem o mais justo a se fazer. É preciso que se tomem medidas mais eficazes
para por um fim a essa famigerada e desgastante morosidade a qual tem tornado a
nossa “justiça” tão desacreditada.
Por outro lado, negar que o descrédito
em nossa justiça tem contribuido de
maneira significativa para o aumento da violência no país, também não seria o melhor caminho para o enfrentamento do
problema. Pois quando se tem a certeza de uma justiça efetiva, eficaz, isenta e
célere, a tendência é que as pessoas passem a confiar mais nela, e abram mão de
seus desejos de vingança privada, optando pela tutela do estado-juiz na busca
de solução para os seus conflitos.
Sem entrar no mérito das questões relacionadas
ao assédio moral, nos últimos anos, devido ao acúmulo exagerado de processos
parados nas Varas, o que tem originado pressões por parte da sociedade, e com
razão, vários servidores do judiciário,
inclusive, os Oficiais de Justiça, passaram a sofrer cobranças por parte da
cúpula gestora, no sentido de diminuir o grande número de processos antigos, acumulados
sem julgamento, em cumprimento às metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de
Justiça. Nesse sentido, diversos mutirões tem sido realizados e, em pouco tempo, viu-se
fazer o que não se fez em vários anos. O que comprova que faltava uma
gestão criativa, comprometida com o interesse público e, um pouco mais de boa
vontade de trabalhar. E isso é um fato. Contudo, muitas outras questões relacionadas aos
procedimentos internos dos órgãos judiciários são de origem extrínsecas aos
processos. São vaidades, prepotências, corporativismos, arrogâncias, corrupção,
troca de favores, interferências do poder político e econômico, etc. Aliados a tudo isso, não podemos deixar de
destacar, ainda, outro aspecto importantíssimo: a insegurança da caneta de alguns
juizes na hora de determinar o cumprimento de sua ordem, dentro de um prazo razoável.
Como exerço a função de Oficial de
Justiça há alguns anos, gostaria de me
referir a essa atividade em sua relação com o processo, especialmente nesse dia
cinco de setembro, que é considerado o dia do Oficial de Justiça. Muitos dizem
que eles Representam, de fato, o elo entre as pessoas envolvidas na dinâmica
processual e a Vara Judicial onde decorre todo o procedimento. Assim, costumam
dizer que aqueles servidores representam o Poder Judiciário andando. Pois, não
adiantaria de nada o juiz tomar uma determinada decisão se não houvesse alguém
com competência para tornar essa decisão efetiva. Neste sentido, é importante que
esse servidor esteja sempre com uma aparência compatível com a dignidade deste
Poder.
Não
é difícil perceber que uma pessoa que trabalha nas ruas, naturalmente consome
mais sapatos, mais roupas, mais perfumes, mais protetores solares, etc. Enfim,
há um custo extra que pode sacrificar os seus vencimentos. Na maioria das
vezes, esse servidor ainda utiliza o próprio carro para prestar seus serviços, o que acarreta um aumento no
consumo de combustível e uma maior depreciação do seu veículo. São necessários dispêndios
durante as muitas diligências realizadas para o fiel cumprimento dos mandados,
dentre os quais, temos citações, intimações, penhoras e avaliações,
reintegrações de posse, busca e
apreensão de pessoas, de veículos, de bens, entre tantos outros procedimentos mais
complexos. De maneira que, se esses profissionais não forem devidamente
remunerados, haverá um enorme sacrifício dos valores destinados à manutenção
pessoal, de sua casa, da sua família, da escola dos filhos, da faculdade, do
lazer, etc.
São
muitas as questões que precisam ser discutidas. Todos temos responsabilidades com
o andamento dos processos. Porém, acredito que a responsabilidade maior seja
mesmo do Juiz, porque ele é o seu presidente. Depois de provocado, cabe
ao juiz conduzir o processo, cuidando
para que ele chegue ao seu termo, no
mais breve espaço de tempo possível. Pois é isso que a sociedade espera do
nosso aparato judicial. Ora, uma decisão judicial não pode, por exemplo, ficar
a mercê de nomes ou de status das pessoas envolvidas ou interessadas no
processo. Isso significa, que um juiz
não pode demorar quase um ano para determinar a citação dos réus numa ação de
reintegração de posse, como a que chegou recentemente ao meu conhecimento,
apenas porque um dos demandantes representa um grupo com grande poder de
influência política e econômica. Respeitadas as devidas formalidades legais, as
determinações judiciais devem ser cumpridas rigorosamente, como manda a lei,
doa em quem doer. Isso significa que, se
houver resistência da parte a uma ordem judicial, a atitude tomada contra alguém que mora em bairros
nobres da comarca, onde existam
dificuldades para entrar nos condomínios de luxo, deve ser cumprida da mesma forma e com o
mesmo rigor com que deve ser cumprida diante daquele morador humilde, que mora
lá numa comunidade carente. Inclusive, utilizando-se da força policial, se for
preciso. Lamentavelmente, a maioria dos mandados não vêm acompanhandos de ordem
para arrombamento. Há uma burocracia imensa para se conseguir, inclusive, o
apoio polícial, a fim de dar o efetivo
cumprimento à ordem judicial. Já está mais do que evidente que o povo
quer que as leis sejam respeitadas e cumpridas pelos órgãos competentes.
O Poder Judiciário é o responsável pela
efetiva aplicação das leis no nosso país, as quais são aprovadas pelos
representantes do povo, no Congresso Nacional e nas Assembléias Legislativas. Mas,
é necessário ações integradas das forças que atuam no processo na busca de uma maior celeridade. Nos procedimentos de
execução, por exemplo, por que não se
indica, já na inicial, um bem sucetível de penhora? Da maneira como acontece, fica
inviável cumprir o mandado na sua íntegra. É preciso que os advogados e as
partes sejam mais diligentes e se antecipem a esses fatos.
Nesse
sentido, a responsabilidade é de toda a sociedade. Todos devem reconhecer a sua
parcela de culpa diante da morosidade processual. Há diversas queixas de colegas,
inclusive, alegando que muitos
dirigentes de Autarquias ou Empresas Públicas e privadas, ficam em seus
gabinetes e não recebem os oficiais de justiça. Em muitos desses lugares somos
recebidos como “moleques” trazendo um
recado de algum juíz. Muitos dizem -
“Ah, entrega lá no protocolo” ou -“Ah, deixa com a recepcionista”. Como se pode
verificar, o preconceito e o desrespeito já começa dentro da própria
administração pública, onde muitos desses dirigentes ocupam os cargos temporariamente,
por razões políticas (não precisam necessariamente serem servidores de
carreira), e que nem sempre “vestem a camisa” da entidade que representam. Não
percebem que essa atitude afronta não a pessoa do oficial de justiça, mas o
órgão do poder judiciário.
Como se sabe, o Oficial de Justiça é dotado
de fé de ofício, mas sua certidão é de natureza juris tantum. Isso significa
que contra ela cabe prova em sentido contrário. Dessa forma, qualquer parte interessada
poderá impugná-la, cabendo ao Juiz, como presidente do processo, tomar as
medidas legais que achar conveniente. O problema é que muitos deles sequer se
dão ao trabalho de ler o conteúdo das certidões dos Oficiais de Justiça. Uma
prova disso é que vários mandados são repetidos, confeccionados em duplicidade,
mesmo existindo certidão nos autos
dizendo que a parte havia mudado de endereço ou se encontra em local incerto e
não sabido. Isso também contribui muito para o atraso dos processos. É preciso
acabar com tantas queixas infundadas, sem provas, contra oficiais de Justiça. Muitas
dessas acusações partem de pessoas que insistem em manter sistemas antigos, inclusive,
recorrendo aos seus "amigos" influentes nos altos escalões, para evitar o fiel cumprimento
do mandado judicial. Quando não obtêm êxito, tentam prejudicar e macular a imagem do servidor, representando-o junto à
Corregedoria. Devo dizer que, na quase
totalidade, essas representações são arquivadas por falta de provas, mas nenhuma
punição recai sobre o acusador que agiu de má-fe.
Ao meu ver, a criação da Cemando, sistema de
distribuição dos mandados, representa uma verdadeira aberração diante do nosso sistema
processual. Na verdade, as atividades conferidas aos Oficiais de Justiça já estão
reguladas nas leis processuais. São as leis que dispoem e regulam essa
atividade no âmbito do processo. Diante de uma falta grave cometida por esse
servidor, quando no exercício de seu mister, existindo índicios fortes, cabe ao
magistrado o direito de representá-lo à Corregedoria, que é o órgão dotado de
competência disciplinar sobre o mesmo. O resto são fábulas e resquícios oriundos de um período dominado
pelo autoritarismo e pela repressão. Por exemplo, há casos em que o juiz ainda determina que o Oficial de Justiça cite uma
determinada pessoa usando o instituto da hora certa. Ora, isso é uma
prerrogativa conferida por lei diretamente ao Oficial de Justiça. O Código de
Processo estabelece que cabe ao Oficial
de Justiça, diante do caso concreto, avaliar se cabe a citação por hora certa, e não ao Juiz. É preciso que se tenha
personalidade para recolher tais mandados, caso o Oficial não suspeite de que a
parte tenta se ocultar para obstacular o processo citatório, como manda a lei.
Por
outro lado, é preciso que seja definido um modelo uniforme, um padrão para os
mandados judiciais, com código de barras, se for possível. Sugiro que no
próprio mandado haja um espaço reservado para que se faça constar por meio
eletrônico a data do seu recebimento e o prazo máximo de devolução. O excesso
de prazo poderá ser, então, verificado
diretamente pelo juiz do feito e pelas
partes. Caso haja alguma necessidade de se
extrapolar o prazo, o Oficial de Justiça deverá, obrigatoriamente, sob
as penalidades da lei, justificar em sua certidão, as razões e os motivos do
atraso.
Assim, é importante que as entidades
representativas dessa categoria se
empenhem mais no sentido de trabalhar para melhorar a imagem do Oficial de Justiça perante a opinião pública. O Tribunal
de Justiça, por exemplo, deve contribuir com campanhas de conscientização sobre
o papel e a importância da atividade do oficial de Justiça durante a evolução do
processo. O Tribunal pode e deve oferecer cursos e paletras de capacitação para
melhorar o conhecimento e, por conseguinte, o desempenho de seus servidores, em
especial, dos Oficiais de Justiça.
Sugiro, então, a criação de uma comissão integrada por
juízes, promotores e servidores mais antigos, a fim de se elaborar uma cartilha
em função da atividade do Oficial de Justiça e de como dirigentes de empresas
públicas e privadas devem se comportar, entre tantos outros seguimentos da
nossa sociedade.
Já está mais do que na hora da sociedade repensar
o nosso judiciário, que precisa sair desse endeusamento tolo e se aproximar
mais do seu povo. Para conhecer melhor os seus problemas, encontrar soluções
conciliatórias e menos punitivas. Transfomando-se em um poder verdadeiramente
solucionador de conflitos e não um mero aplicador de leis produzidas pelo poder legislativo.
Nós, Oficiais
de Justiça, estamos aqui para colaborar. Mas, o nosso Tribunal de Justiça pode
e deve trabalhar mais e contribuir para que haja, de fato, justiça social e uma
sociedade mais humana e cristã, buscando os meios necessários para que suas
decisões sejam mais eficientes e eficazes, pondo um fim nessa sensação de
impunidade que ainda impera em nosso país.
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