Selvageria e civilidade

           No início tudo era selva e escuridão. Posso até imaginar o homem  vivendo  pelas florestas e caminhando pelas savanas, lutando em busca de sua sobrevivência.  Imagino o tamanho das trevas causadas pela ausência  da luz que se escondia todos os dias  no oeste. Imagino o medo por causa  das feras famintas   que rondavam  em busca de alimento. Durante à noite, nada se via e tudo gerava insegurança. Talvez tenha sido por causa dessa insegurança que o homem criou as cidades e  construiu maneiras de vencer o apagão.  A vida selvagem e a escuridão nas florestas passaram a fazer parte de um passado e de um mundo primitivo  marcados pela ignorância e pela criação de uma cultura dominadora a partir da disseminação do medo daquilo que é desconhecido.            
           Assim, surge o conceito de civilização em oposição à vida selvagem das florestas, como se um fizesse parte do passado e o outro representasse a superioridade e um futuro cheio de progressos e comodidades para os seus habitantes.

Selvageria  tornou-se uma denominação  que traduz as  tradições culturais e religiosas  primitivas em relação às  civilizações urbanas.

Civilidade tornou-se uma   dominação carregada por uma ideologia  oposta aos  preceitos  da vida primitiva.

Selvageria  é a resistência ao  comportamento progressista desenfreado que destrói a natureza;

Civilidade é o  temor do atraso   que impede o desenvolvimento dos interesses ambiciosos do capitalismo selvagem;

Selvageria é o  respeito   pelas leis da natureza  e retirar dela  apenas o necessário para  sobreviver;

Civilidade é destruír essa mesma natureza  apenas  pela ganância  e por um desenvolvimento   nefasto;

Selvageria é  a divisão de todo o produto oriundo do trabalho  humano em quotas  equânimes,  entre todos da tribo;

Civilidade  é  ver alguns se aposarem da maior  parte das riquezas, e do produto do trabalho  por métodos  injustos que  alimentam  as desigualdades;

Selvageria é o direito e a liberdade de andar completamente nu  pelos campos, sem   qualquer preconceito;

Civilidade é  se despir  simplesmente para obter fama  ou  por uma boa  quantia em dinheiro;

Selvageria  é  a valorização da honestidade e  servir como um  exemplo;

Civilidade  é criticar  e  ganhar  dinheiro fácil de origem desonesta;

Selvageria  é  respeitar suas origens e cuidar dos seus velhos,  até  seu derradeiro momento;

Civilidade  é  colocá-los nos  abrigos e  abandoná-los à própria sorte;

Selvageria  é   a  capacidade  de entregar o próprio filho para que  ele  seja punido  pelos seus  crimes;

Civilidade é  utilizar-se do tráfico de influência  ou do poder econômico para  livrá-lo da punição;

Selvageria é  usar o produto da caça para a alimentação de todos os que tem fome;

Civilidade é  o ardil e a   esperteza  de tomar pra si  a  maior parte dos alimentos;

Selvageria é construir uma enorme taba para  abrigar e proteger a  todos;

Civilidade é construir prédios enormes, mansões luxuosas, indiferente a tantos que vivem sem um teto,  perambulado pelas ruas e  dormindo  pelas  calçadas.

Selvageria é  resolver as diferenças , sempre dando ao outro, pelo menos,  a oportunidade de defesa;

Civilidade é resolver as diferenças   covardemente  por meio de  emboscadas;

Selvageria  é   nunca julgar o outro, mas apotar os   erros  olhando nos olhos;

Civilidade é julgar e condenar  o outro  divulgando   mentiras, sem dar-lhe o direito de defesa;

Selvageria  é  a manutenção da cultura  de poder  possuir livremente  várias esposas;

Civilidade é a hipocrisia de  casar-se apenas  com  uma  mulher, mas  possuir  diversas amantes;

        Nesse mundo, a  cidade parece que se confunde mesmo com uma selva.  Afinal,  onde começa e termina a tão falada  civilização?