Excelência Reverendíssima

O que mais me impressiona no Direito é  que, apesar de ser direito,  ele pode ser legalmente errado. O Direito, como ciência social, tem as  suas peculiaridades. Por exemplo, o direito não é uma ciência exata,  mas se vale da lógica. Assim como a matemática, o direito trabalha com o objetivo de alcançar  resultados exatos.  Mas, sendo ele um resultado da engenharia humana, dependerá sempre  de interpretações, muitas vezes contraditórias. O direito se estrutura, principalmente,  nas leis e  na hermenêutica, as quais  sofrem a influência das circunstâncias e dos interesses contidos nas relações concretas envolvidas, além, claro,  da personalidade e do caráter dos  julgadores que  decidem.
Sempre será o poder dominante que determinará o que é e o que não é  direito.  Por isso,  não existe,  e não devemos  esperar exatidão matemática no direito. Não se surpreendam  diante da existência de dois ou mais resultados divergentes, consubstanciados a partir de diversas  interpretações da norma aplicável diante de caso concreto. É também nesse sentido que o direito pode até ser errado legalmente e injusto. Aliás, o  sentido do termo “justiça”, no âmbito dessa ciência social,  é apenas utópico, pois não está vinculado ao conceito mais profundo  e mais grandioso que se possa extrair do sentido dessa palavra tão nobre.
Apenas para ilustrar, vejamos o caso de um  policial militar: conforme as regras estabelecidas numa determinada lei estadual, o militar com trinta e cinco anos de serviço deverá se aposentar na patente logo  acima daquela daquela  em que se deu a sua aposentadoria. Agora, imagine um soldado que, com  trinta e quatro anos e dez  meses de serviços prestados ao seu país, morresse em serviço,defendendo a sociedade,  atingido por uma  bala, durante um combate contra bandidos de uma facção criminosa. Imagine que esse soldado tenha morrido exatamente quando faltavam menos de dois meses para que completasse o tempo necessário para se  aposentar e que, por menos de sessenta dias,  sua família não receberá  os valores relativos  à patente superior a que teria direito,  simplesmente  porque morreu dois meses antes. Se ele  tivesse morrido dois meses mais tarde... Isso é justo?  Dura lex sed lex.
            Percebe-se, então, que o conceito de justiça é muito complexo e pode divergir de uma pessoa e de uma norma para outra.  Talvez, apenas com o exemplo destacado acima, gastássemos vários dias do nosso precioso tempo discutindo se é justo ou injusto, mas, uma coisa é certa, independente de qual seja o resultado dessa discussão, a decisão do estado é que vai  prevalecer sempre e será  aplicada, pois é dele o poder de determinar o que é direito, o qual se concretiza, exatamente,  por meio das decisões judiciais, fundamentadas  conforme as interpretações  dos diversos magistrados. Assim, percebe-se que é através  das decisões judiciais que as  injustiças  podem materializar-se.
 Como é do conhecimento de todos, o estado-juiz já condenou, por diversas vezes,  por exemplo,  um inocente à prisão. Até que  se descobre o erro (se é que foi realmente um erro) contido  na sentença e se determina a soltura imediata da vítima,  depois de vários anos de cumprimento da pena imposta.  Muitos acham justo, nestes casos, o pagamento de uma indenização por parte do Estado responsável pelo erro. Mas, entre o fato de ser justo e o Estado reconhecer o erro e efetivamente pagar a indenização  devida existe uma  quilométrica distância. As dificuldades começam já pelos obstáculos  impostos pelos procedimentos processuais. Mais  uma vez,  o requerente vai depender do poder e da interpretação dos órgãos julgadores, ligados ao mesmo Estado causador do dano.  No direito, existe uma distância enorme entre a teoria e a realidade. Dentro dos  muros das faculdades, aprende-se uma coisa, alhures, na prática  as coisas não são, digamos, um pouco diferentes.
 As dificuldades impostas pelas leis processuais são barreiras,  verdadeiros desafios a serem vencidos pelas vítimas requerentes. A começar pela falta de informação e de  recursos financeiros. O desafio já começa com a  necessidade de se constituir um “bom advogado”, bastante cauteloso com o uso das palavras. Pois, o seu processo  poderá  demorar mais do que o tempo razoável que, normalmente, dura dez anos para se ter um desfecho definitivo. Muitos morrem, inclusive,  sem o seu processo julgado. 
Mas, um bom e experiente advogado nem sempre é garantia de sucesso. Apesar das evidências flamejantes do bom direito, o sucesso de um pleito nem sempre depende apenas das provas carreadas, ou mesmo da reconhecida capacidade de argumentação do defensor. E não me refiro aqui aos casos de venda de sentenças ou do corporativismo, que são questões para um trabalho específico, e  de dissertação à parte.
Aliás, é exatamente pela possibilidade de quebra da imparcialidade ou de erro por parte do julgador, que  existem os  recursos. Os recursos corroboram  o reconhecimento de que um juiz  pode, sim, cometer abusos ou erros, de modo que,   sua decisão  cause danos à parte. Mas, muitos preferem afirmar que os recursos existem por causa da insatisfação da parte com a decisão recorrida.
Os recursos são garantias individuais consagradas na nossa Carta Magna. Todos os que dependem de decisões judiciais podem recorrer, recorrer, recorrer.  Mas......e quando a parcialidade e os erros forem cometidos nos tribunais superiores?  A quem recorrer quando um  Tribunal for a única instância? O que fazer quando os Ministros de um Tribunal,  encarregado de rever as decisões judiciais recorridas  em última instância, dominados pela  parcialidade,  sem qualquer compromisso com a verdade ou com a  imagem da  instituição,  revogam   sentenças bem fundamentadas?
Pobre de quem depender de uma justiça injusta assim. Pois, nesses casos, só nos restam duas opções:   recorrer a Sua Excelência  Reverendíssima, o Bispo,  ou   confiar na justiça de Deus.

          

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