Sobre fé e humanismo

               Quem não conhece a história do pecado original? Segundo consta, o homem se afastou de Deus tão logo comeu o fruto do conhecimento. Isto é, enquanto o homem  nada sabia, vivia feliz no paraíso.  Infelizmente, a criatura ousou em  desobedecer ao seu Criador e caiu em desgraça, tendo que suportar as amarguras deste mundo hostil.
                Desde de criancinha que ouço essa história,  e olha que,  cada vez mais,  chego à conclusão de que felizes são os que acreditam nela. Porque  ter conhecimento normalmente nos causa sofrimento.   São tantas as  angústias que talvez  fosse melhor desconhecer todas as possibilidades  A verdade é que, em alguns momentos no passado, o homem precisou se afastar um pouco da fé para compreender melhor o seu Criador e reencontrá-Lo algum tempo  depois. Nesse sentido, o homem não se afastou de Deus porque Deus não se confunde com as atitudes nem com as praticadas por algumas religiões.  
                  Por causa do espírito dominador e da opressão imposta pelo estado e pela Igreja,  desde  tempos  remotos,  o homem  foi perdendo um pouco a fé  na Igreja e se transformando num questionador  voltado para  a racionalidade.  A opressão  oriunda   principalmente dessas duas instituições foi, sem sombra de dúvida, a principal  motivação para o surgimento de movimentos  antropocêntricos, como o humanismo, por exemplo,  sendo a era  medieval  considerada  um dos maiores, senão o maior, expoente  de  desumanidade sofrida pelo povo, justamente por conta da fé. Com o desenvolvimento do comércio, o  Humanismo surge como um movimento filosófico e social,  que procurou resgatar  certos valores e princípios nas relações humanas, ao longo da história da humanidade. Entre esses valores encontram-se, principalmente, a justiça, o amor, a liberdade e a solidariedade. O  humanista surge com  um movimento que procura valorizar o homem em todas as suas formas de expressão humana, como por exemplo, as artes plásticas, a poesia, entre  outros resultados que fazem parte do processo intelectual de cada um.
                  Com o Humanismo, o homem passa a ser tratado como  parte responsável  pelo processo e positivismo de criação da realidade em que vive, principalmente, das normas que regulam suas  relações sociais. O homem deixa de ser mero expectador para agir e interagir, fazendo parte de toda a engrenagem do sistema social. Um sistema  até então injusto e dominado pela Igreja e pelo estado, onde a maioria da população  vivia a dor do conformismo e da exclusão. A filosofia humanista oferecia novas formas de reflexão sobre as artes, as ciências e a política, revolucionando o campo cultural e marcando a transição entre a Idade Média e a Idade Moderna. De uma certa maneira, a razão começa a formatar a mente do novo homem que,  depois  desse olhar mais voltado para si mesmo, inevitavelmente  provocou diversos  conflitos por causa dos  princípios defendidos e pregados pela tradição religiosa, que sempre contou com o apoio do estado para impor seus dogmas.
                   Depois da ascensão da racionalidade humana,  muitas questões  passaram a ser levantadas como, por exemplo: o que somos e quem é Deus, afinal?  Mas, esses questionamentos não devem ser compreendidos, em princípio, como a busca  do homem em negar a existência do Criador ou de se rebelar contra  suas leis. O que se  buscava em princípio evidenciar e discutir  era a forma como o Criador  se apresentava às suas criaturas, indagando os motivos que levavam o estado e a Igreja a  praticarem  tanta  iniquidade. Uma das coisas que mais me impressionam é saber que os atos malévolos e as injustiças sempre foram justificadas  exatamente   utilizando-se  das mensagens  contidas nas páginas das Escrituras Sagradas.   
                 É evidente que, como em qualquer movimento, sempre existe  aquela ala mais radicalista. Com o humanismo isso não foi diferente. Temos a corrente do Humanismo Secular,  que também  era conhecido como Humanismo Laico.  Tratava-se  de uma corrente filosófica que abordava a justiça social, a razão humana e a ética como seus principais valores. Seguidores do Naturalismo, os humanistas seculares são normalmente  considerados ateus ou agnósticos, renegando a doutrina religiosa, a pseudociência, a superstição e o conceito de sobrenatural. Para os humanistas seculares, estas áreas não são vistas como alicerce da moralidade e da tomada de decisões. Um humanista secular tem como base a razão, a ciência, a aprendizagem através de relatos históricos e da experiência pessoal, sendo que estes constituem suportes éticos e morais, podendo dar sentido à vida.  Eu não tenho a menor dúvida em afirmar que esse tipo de humanismo, como tantas outras coisas, foi  criado por causa  dos absurdos  seculares praticados pelas religiões e pelo estado desde épocas remotas, culminando principalmente  no período da Idade Média, onde se usava  e abusava da fé das pessoas para submetê-las  e explorá-las em nome de um deus que só favorecia  aqueles que estivessem no poder.
                    Hoje os mecanismos mudaram, mas os conflitos permanecem os mesmos, porque  os religiosos não aceitam perder o comando dos seus fiéis  e continuam tendo a mesma postura de interferi  nas decisões do estado, como se ainda  tivesse a mesma influência no poder. Muitos  subjugam a inteligência das pessoas através, tentando impor sua fé,  agindo sob o Santo nome de Deus. Mas, enquanto assistimos a várias denúncias de  mal uso  e abuso dessa confiança, os humanistas seculares, hoje acusados de  céticos, ateus ou agnósticos, defendem a comprovação científica dos fenômenos  exibidos pelas religiões espetaculosas, cujo objetivo não é outro senão  impressionar o povo,  alegando causas sobrenaturais.
                           Muitos  tentam  transformar  o conflito entre fé e razão numa batalha do bem contra o mal. Uma batalha onde certamente eles  se consideram os  mocinhos. Para eles o negócio é não pensar, é não raciocinar. Mas, quanta contradição se ouço sempre se dizer que a inteligência do homem  é uma dádiva de Deus!   Perdoem-me, mas há  uma pergunta que  não quer calar.  Se desde épocas remotas  os religiosos dominaram o mundo e sempre  exerceram uma enorme influência junto ao poder do estado, e em nome do verdadeiro Deus,  dizem  que fazem e dedicam suas obras, então por que jamais  conseguiram acabar com  as  injustiças praticadas contra o povo ao longo da história da  humanidade?
                      Certamente a injustiça já começará com as óbvias respostas que muitos  usarão na tentativa inútil de me  iludir e me convencer de que tudo o que sempre  praticaram e ainda praticam  foi  por inspiração  divina, um Deus justo e amoroso que eles usam para cercear a liberdade, para alimentar o preconceito e o  separatismo entre as pessoas. O resultado disso tudo é esse a que todos os dias assistimos nos jornais televisivos. Só não enxerga quem não quer.




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