Parabéns, às mulheres vencedoras
Eu
pretendia escrever alguma mensagem para
homenagear o Dia Internacional da Mulher,
falando exatamente de onde surgiu tanta
injustiça contra as mulheres. Mas, quando li o texto do filósofo Paulo
Ghiraldelli, achei que tudo o que eu gostaria de falar já estava devidamente colocado com muita maestria, por alguém muito mais
preparado e muito mais sábio. De tal maneira que, tudo o que eu escrevesse iria
parecer um plágio. Parabéns a todas as
mulheres. Vamos ao texto:
Mulher,
emancipação e religião
( Paulo Ghiraldelli )
A mulher
é o melhor devoto da religião do homem. A maior parte das religiões é dirigida
por homens, mas tem nas mulheres grandes madrinhas e um exército volumoso de
cativas à submissão doutrinária. Se isso não vale para toda época e lugar, ao
menos é a regra das religiões modernas ocidentais – cristãos, muçulmanos e
judeus formam comunidades de poder declaradamente masculino, em todos os
sentidos, mas com todas as baterias voltadas antes para as fiéis que os fiéis.
Por que as coisas se passam assim? Serão os deuses apenas mais um instrumento
de dominação do macho sobre e a fêmea?
É claro que deuses e sacerdotes mais poderosos são papéis que cabem
melhor aos homens em um mundo feito sob o gosto masculino. Essa verdade simples
e banal não raro é passada despercebida por uma série de mulheres integrantes
dos mais variados partidos de emancipação da mulher. A religião possui
tentáculos tão fortes entre as mulheres que mesmo aquelas que, por meio de
algum veio do feminismo, conseguem distinguir os reais mecanismos de poder
masculino que colocam a mulher em segundo plano na nossa vida social, isentam
os credos e doutrinas da participação nesse pacote da submissão. Algumas
mulheres chegam a participar do poder de comando das religiões e, nisso, se
revelam as primeiras e as mais duras propagandistas das atitudes machistas da
doutrina escolhida.
Também as simbologias das religiões enviam recados bem claros sobre o
que seria a psicologia das mulheres e a respeito de como toda a sociedade deve
encará-las e que papéis podem reservar a elas. A religião cristã é
elucidativamente didática em toda a sua simbologia sobre o mundo feminino.
A mitologia que envolve o Velho Testamento, em especial a história do
Paraíso, coloca uma Eva que nada é senão a ponte entre três figuras masculinas,
Deus, o Diabo e o homem. A “árvore do conhecimento” é proibida aos mortais,
pois o conhecimento, sabemos, é divino. Mas Eva nunca acreditou nisso. Jamais
levou Deus a sério. Não foi difícil para o Demônio, em forma de serpente,
conquistá-la para tentar comer o fruto que identificava a única proibição do
Jardim do Eden. Ao querer saber das coisas, Eva e Adão perderam o mundo mágico.
Todos que apelam para o conhecimento olham o mundo já sem os deuses, passam
pelo “desencantamento do mundo” (Weber) e, então, imediatamente, já não
conseguem mais a condição paradisíaca de vida. São expulsos da vida no Paraíso.
Eva talvez nunca tenha entendido isso direito, mas Adão soube muito bem o que
perdeu. Dali para diante, ele teve de trabalhar.
A mitologia do Novo Testamento repete o quadrangular. Maria se coloca
novamente entre três figuras masculinas, Deus, José e Jesus. A ideia básica,
então, é a missão do filho de Deus, que nada é senão a reconstrução do elo
entre os mortais e o Criador, rompido com o episódio de desobediência de Eva. O
desencantamento foi provocado por Eva, e cabe à Maria colocar no mundo o
instrumento não da possibilidade do reencantamento, mas a peça para a
pavimentação da estrada em direção ao mundo encantado – o Reino dos Céus, um
tipo de sobressalente do Paraíso. Tanto quanto Eva, Maria não é nada na
história senão o elemento de desencadeamento da narrativa. Uma vez tendo Jesus
nascido, ele logo percebe que a mãe é um empecilho diante de sua vocação e a
afasta de sua vida – não raro, com palavras até grosseiras.
Nas duas histórias básicas dos Evangelhos é a mulher que põe os
elementos – o pecado e o Salvador – decisivos do enredo, mas ela não comanda
nenhuma ação. São doadoras e, enfim, sem elas a história não é possível. Mas
não dão um norte propositalmente pensado para as ações e muito menos tem algum
papel decisivo quanto ao final das narrativas. Servem mas não são servidas e
nem mesmo se servem. Na estrutura dos dois quadrangulares, elas aparecem como
peças instrumentais que ali são colocadas apenas como meio, não como fim ou
como protagonistas. Meio para o mal e meio para o bem, mas meio. O recado
parece ser um só: esse meio necessário pode ser usado para o bem e para
o mal, mas ele sempre será usado, pois é meio, não é fim. Nada pode objetivar.
O cristianismo guardou bem essa lição: a razão é utilizada pelo homem
como meio mental, a mulher é o seu meio material. A razão faz parte do seu
aparelho psíquico, a mulher faz parte do seu aparelho doméstico. Dois meios
importantes, mas nunca outra coisa senão meio. Todas as vezes que se pensou em
quebrar isso, ninguém ousou agir no próprio âmbito onde essa situação se
originou, a religião. Por isso, é difícil imaginar que a emancipação da mulher
possa realmente ocorrer um dia. Pois nos é impossível imaginar uma sociedade
não religiosa.
Nosso ethos tem na religião um componente importante, talvez até
quase igual ao da língua. E a submissão da mulher está embrenhada em ambos. Não
à toa, além da proibição do incesto e a consideração do assassinato um crime, o
machismo é o terceiro elemento que faz cada povo do Ocidente pertencer ao
conjunto dos “humanos” e, então, se irmanar.
Paulo Ghiraldelli Jr, filósofo, escritor e
professor da UFRRJ
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