A cor da pele
Black Man - Cláudia Leite
Muita
gente diz por aí que o Brasil definitivamente não é um país racista.
Muitos até declaram que isso é coisa do passado, que não existe mais. Sei que
não devemos ficar alimentando sentimentos que não contribuem
em nada para a harmonia entre
os povos em suas diversidades culturais e individuais, mas há
certas coisas que não consigo deixar passar em branco, principalmente quando são coisas que me causam uma
profunda inquietação. É claro que o racismo ainda existe, exatamente
porque existem pessoas racistas. É evidente também que existem responsáveis por toda sorte de
preconceitos existentes no mundo. Deixando de lado as paixões, de uma certa maneira, algumas religiões tem
lá a sua parcela de responsabilidade com a origem e a insistente permanência
deste estigma imposto aos seres humanos de pele negra desde épocas remotas.
Não
há como negar que a população brasileira, em sua grande maioria, é constituída por católicos. Aliás,
segundo algumas pesquisas, a América latina é predominantemente uma
região católica. Como todos sabemos, e a história está aí
para comprovar, a América latina foi colonizada
por países europeus seguidores do catolicismo. Tão logo chegaram por
aqui, uma das primeiras providências dos colonizadores foi
implantar, no novo continente, a religião que eles
praticavam no seu país. Não há como negar também que fomos
doutrinados através da religião dos nossos colonizadores, em alguns momentos,
de uma forma não muito cristã. Não
precisamos entrar nos detalhes sórdidos de como alguns religiosos estrangeiros
daquela época costumavam impor sua fé aos habitantes aqui encontrados.
O fato é
que, atualmente, somos considerados um dos países mais católicos do
mundo. E não venham me dizer que esse fato não teve
influência na recente escolha
do novo Papa. O Papa Francisco foi
escolhido pela primeira vez entre os latinos. Deveria ser chamado, então, de Francisco Primeiro Primeiro, apesar de sua
origem europeia. Eu até que o
achei uma pessoa bastante simpática,
aparentemente cheio de boas intenções. Mas, é preciso muito mais que isso. Somente
boas intenções não será o bastante para realizar a renovação que a igreja
precisa para transformar esse mundo. Espero
sinceramente que ele consiga mudar um pouco a mentalidade desse povo.
Mudar para melhor, é claro. Pelo menos, a mentalidade de seus seguidores,
dentre os quais certamente encontramos
vários recendentes de uma sociedade escravocrata e de pessoas que
exploraram seres humanos de pele negra, que mesmo depois de serem libertados continuaram sendo tratados como
cidadãos de segunda e de terceira classe. Era comum se dizer que negro sequer tinha
alma.
Uma
das coisas que precisa ser enfrentada é a tradicional
imagem que conhecemos de Jesus. A verdade é que ninguém pode afirmar
com certeza qual o verdadeiro formato do rosto do Senhor nem a cor de
sua pele. Então, de onde teria vindo aquele rosto branco, de cabelos compridos
e de olhos azuis? De onde teria vindo
aquele retrato de um homem de pele clara, que se identifica
sobremaneira com o povo europeu? Teria sido uma mera coincidência a cor
da pele do Senhor Jesus ser da mesma cor daquele
povo que nos colonizou no passado? Porque de acordo com a própria Bíblia, Jesus
não é de origem europeia. Como se sabe, Ele é judeu e, portanto, um
legítimo descendente do povo de Israel, um país que pertence ao
oriente médio, que se situa muto mais próximo ao continente africano,
nas proximidades do Egito. Como é fácil perceber, devido às altas
temperaturas, o povo daquela região possuía uma pele, digamos um pouco mais parda. Será que Deus tem cor? Então, por que teriam
implantado essa ideia absurda de um Deus branco e de olhos azuis? Por que
evitamos tanto enfrentar essa questão? Será que, de uma certa maneira, ela não estaria relacionada
com o preconceito racial que insistimos em negar?
Estamos
na considerada Semana Santa. Para os cristãos, essa é uma data muito especial.
Mais uma vez, estamos revivendo a Paixão de Jesus Cristo e não
há como negar que ainda nos emocionamos ao ver
tanto sofrimento e tanta covardia de um povo. Todos os anos são encenados espetáculos sobre momentos
marcantes na vida do Senhor. Lamentavelmente, ainda não vi, em
nenhuma delas, a escolha de um ator negro para representar o papel de Jesus. É
possível que em algumas apresentações
feitas por amadores isso possa ter ocorrido. E para ser justo, houve um Jesus negro em o “Alto da Compadecida”, do
grande mestre Ariano Suassuna.
No teatro de
Nova Jerusalém, situado na cidade do Brejo da Madre de Deus em Pernambuco, tivemos
vários atores representando o nobre principal de Jesus. Atores como, Carlos Reis, José Pimentel e agora temos José Barbosa. Por um longo período tivemos
diversos atores globais na representação
desse papel. Todos de pele clara. Mas, me ocorre o seguinte: e se a direção do
espetáculo decidisse colocar um ator negro para representar o papel
de Jesus? Como reagiria o público? Será que muitos deixariam de assistir ao
espetáculo simplesmente por causa disso? Será que os cristãos iriam se sentir
ofendidos diante de tamanha
ousadia? Infelizmente até agora não temos nenhuma
iniciativa de enfrentar essa barreira para que possamos conhecer as respostas.
O
clímax da história parece ser o período de maior sofrimento, o que nos deixa
bastante angustiados. Mas, o que deve permanecer em nossa mente não
é exatamente o sofrimento de Jesus,
mas o momento da sua ressurreição. Cristo venceu a
morte, plantando em cada um de nós a semente da esperança. A
esperança de que um dia, através Dele, também
podemos vencê-la. Mas, não precismos vencer somente a morte. Antes, é preciso vencermos os nossos medos, o nosso egoísmo e os nossos preconceitos. É preciso acabar com tanta hipocrisia e lutar
por uma igreja cristã completa e verdadeiramente renovada. Deus seja louvado.
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