Divagações sobre o bem e o mal


         Segundo o raciocínio de  Epicuro, "Se Deus pode, mas não quer acabar com o mal, então Ele é malévolo. Se Deus quer,  mas não pode acabar com o Mal, então Ele não é onipotente. Se Deus não pode e nem quer acabar com o Mal, então por que chamá-lo de Deus? Se Deus pode e quer acabar com o mal, então por que o  mal existe?”
         Confesso que quando li, pela primeira vez, esse raciocínio epicurista, fiquei um pouco confuso. Mas, apenas por pouco tempo, pois logo percebi a armadilha contida  em suas entranhas.
        Começei a refletir sobre as seguintes questões:
        A humanidade é boa e aqui ou acolá se encontra uma ou outra pessoa má; ou a humanidade é extremamente má e aqui ou acolá encontramos uma ou outra pessoa boa?
       E se a humanidade fosse totalmente exterminada da face da terra, será que o denominado  “mal”  também seria juntamente exterminado?  Do contrário, então, onde ele ficaria?
       Antes de me debruçar sobre essas indagações, quero destacar o  conceito de moral em Imanuel Kant:

        “De certa forma, o homem não poderia ser conceituado nem como bom nem como mal, pois a questão de suas ações não está diretamente e unicamente ligada à sua índole, mas principalmente relacionada com a  incapacidade mental de compreender a dimensão  e grandeza do universo em que vive, tornando-se  incapaz de  estabelecer um agir oriundo de si mesmo,  de forma pura, sem interferências do mundo exterior, de tal forma a não conduzi-lo  a tomar decisões, ainda que dentro do conceito da racionalidade, que se possa garantir sua culpa num mundo inteligível ou metafísico, a não ser depois de incutir em sua mente  os vícios de uma moralidade  humana, apesar  de  desvairadas intenções de impor uma origem  divina ou celestial, na busca de incutir em cada  uma das pessoas, a tomada de decisões bem como a  opção por um determinado comportamento  e por um agir sempre esperado e previsível, pelo menos do ponto de vista da maioria de participantes de um determinado grupo social, na busca de uma responsabilização dos possíveis  dissidentes, causando-lhes um sofrimento  que seja fundamentalmente oriundo da angustia   e de um sentimento de culpa interior.”
        Para os epicuristas, o grande objetivo da vida é sermos todos felizes através do prazer corporal. Para tanto, é preciso que o homem elimine de dentro de si o medo da morte, dos deuses  inventados pelos homens e das dores, vivendo em busca da felicidade em sua plenitude, a tranquilidade do espírito e sua serenidade, tudo dentro dos princípios da racionalidade humana.    Para os epicuristas, a felicidade consiste na realização dos nossos desejos a partir da satisfação das nossas necessidades.
        Dessa forma, segundo esse princípio, existem três tipos de  necessidades básicas a serem satisfeitas:

         1)   As naturais e essenciais, como por exemplo, a fome, a sede e o sono, que devem sempre ser saciados;
         2)   As naturais porém não essenciais, como exemplos, comer comidas requintadas, comer demais e práticas sexuais em demasia; e
         3)   As necessidades não naturais e não essenciais, que nunca devem ser buscadas pela sua natureza artificial, isto é, manipulada  pelos homens. São exemplos, a glória, a fama, o sucesso, a riqueza, a beleza física, etc.
         O epucurismo condena a busca desnecessária pela satisfação do prazer sem sensatez e sem um controle ético para  que haja um equilíbrio espiritual.
         Ora, podemos observar e concluir que a valorização de determinadas condutas pelo grupo social é que definem e nos impoem o que seja felicidade, e estabelece normas de  comportamentos  que induzem o homem ao egoismo que, para mim,  representam a origem de todo o mal, como o concebemos. 

          Assim, eliminar o egoismo cabe a nós mesmos e não a Deus. Tentamos colocar Nele uma responsabilidade que é nossa e somente nossa, por pura covardia.
         Preciso dizer  que reconheço a presença de um certo egoísmo dentro de mim, também, mas,  jamais negarei que o egoísmo sempre foi um dos maiores males incultidos nas mentes humanas. Contudo,  tenho a sensatez e a consciência de que não posso deixar esse  egoísmo traçar os rumos de minha conduta e da minha vida.
        Se Deus tivesse optado por um mundo onde o egoísmo fosse mais  importante do que o altruísmo, Ele teria feito um planeta exclusivamente  para cada ser humano.  Espaço para isso é o que não falta. O universo é infinitamente grande para que se possa fazer um planeta para cada um de nós e ainda sobraria espaço para muito mais.  No entanto,  nos foi concedido a graça de compartilharmos um  mesmo planeta,  nossa casa dentro do universo. Uma terra, um planeta lindo,  para  ser compartilhado, não para ser apropriado por uma minuria. Na verdade, a rigor, não somos donos de nada. Somos, no máximo, no máximo, destruídores e mal agradecidos comodatários. Então,  de onde será mesmo  que  vem essa certeza de que a terra nos pertence porque somos herdeiros dos nossos antepassados? Quem disse uma barbaridade dessa?Sabemos que vários povos vieram antes de nós e que eles, de uma certa maneira, ocuparam  diversas regiões  que foram sendo  demarcadas ao longo dos tempos.  O egoismo tratou de criar uma relação de posse com essa terra onde vivemos e herdamos dos nossos antepassados.
            O conceito de família foi mudando com o passar dos séculos, de modo que as grandes propriedades foram sendo repartidas em glebas menores, dentro de um sistema injusto e  perverso, oriundo de  uma ideologia dominadora que separa os grandes grupos em pequenas famílas as quais o egoísmo, aos poucos, vai transformado cada uma delas em  rivais. De alguma maneira viramos  adversários, partícipes de uma guerra fria, numa lei que explicitamente declara “cada um por si e Deus por todos”. É dessa forma que buscamos realizar os nossos sonhos, pensando egoisticamente. "Farinha pouca, meu pirão primeiro", diz um velho ditado. O egoismo, aos poucos,  foi sendo implantado em nossa mente como algo positivo, que nos impulsiona ao sucesso, ao crescimento individual, à vitória. Mas, que sucesso? Que crescimento?  Que vitória?
         Mas uma vez, vejo-me obrigado a lembrar que a porta para o reino de Deus está aberta, mas  é estreita e estreito é o seu caminho. Os primeiros serão os últimos pois estes não são donos de nada porque  os primeiros não aceitam dividir o que receberam através de uma herança ilegítima do ponto de vista divino. A relação de propriedade foi criada artificilamente pelo homem e não por Deus.  De maneira que, é certo que todos nós um dia morreremos, e daqui,  nada levaremos.
         Para concluir, observe o oxígênio, esse elemento da natureza tão precioso e tão fundamental para nossa existência. Sem ele  não existiríamos. Nesse aspecto, o oxigênio faz parte do bem. Contudo, paradoxalmente, esse mesmo oxigênio, tão essencial às nossas vidas, também alimenta o fogo que nos destrói. Basta algum condutor para alimentá-lo. Mas, nós podemos controlar as chamas, pois o  conhecimento nos dá as condições necessárias para nos livrarmos do caos.
         Agora responda, sinceramente, se você fosse Deus, destruiria o oxígênio apenas porque a humanidade controla mal as possíveis chamas, as quais nós mesmos alimentamos e ajudamos a incendiar o mundo?


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