Prisão em Segunda Instância: Minha Opinião.



                      Atualmente há uma questão muito polêmica levada ao âmbito do STF e que se discute muito nos meios acadêmicos e em vários outros lugares, inclusive, entre juristas e na imprensa. A questão se trata da presunção de inocência previsto na Constituição federal. Tudo começa a partir de uma decisão do STF que reconhece que o réu  condenado em primeira instância e que tiver a sua sentença mantida em segunda instancia deverá ser preso para começar a cumprir sua pena.
                       O Supremo Tribunal Federal é um órgão responsável por garantir a interpretação e aplicação das normas constitucionais em todo o território brasileiro. Por isso mesmo, não pode se dar ao luxo de ficar indo e voltando como uma coisa que todos nós conhecemos. É preciso que um magistrado apresente firmeza, decência e consistência nas decisões que tomar, não sendo  de bom alvitre  um Tribunal dessa magnitude ficar a toda hora modificando e dando interpretações  diferentes sobre determinados assuntos o tempo todo,  porque  cria uma sensação de insegurança jurídica e isso é tudo o que 
nós não precisamos.
                          A Constituição Federal  trata do duplo grau de jurisdição, que  significa o direito de um condenado provocar a revisão da  sentença condenatória. Esse é um principio tão importante e tão sagrado em nosso  ordenamento jurídico que, caso o condenado não recorra, o próprio Juiz que condenou tem a obrigação de recorrer de ofício e a sua decisão será  necessariamente revista por um tribunal, em segunda instância. Certamente  ninguém fica satisfeito ou aceita com naturalidade uma condenação, mesmo sabendo que é culpado e que seu crime foi uma agressão social  gravíssima. Ainda que tenha plena consciência de que poderia ele agir de outra forma, comete o crime acreditando na impunidade, principalmente  quando tem bons advogados que contam com uma infinidade de recursos, os quais  só tem contribuído para manter os criminosos fora da cadeia. Ora, a lei não foi elaborada para beneficiar bandidos, mas para proteger cidadãos de bem contra as investidas injustas e abusivas do poder do estado.   
                             O   que o Supremo disse  foi que caso o tribunal  recorrido mantenha  a condenação nos termos da decisão recorrida, o réu deverá ser preso, podendo continuar fazendo uso dos recursos cabíveis. Essa decisão surge no momento em que é  público e notório o clamor  da sociedade em  acabar com a sensação de impunidade que se instalou no país, alimentada, entre outros, por uma vasta quantidade de recursos que são utilizados muito mais para manter o acusado solto, fora da cadeia,  do que mesmo para provar a sua inocência. Assim, inocência passou a ser sinônimo de impunidade e não da  verdade.
                              Muitos que são contra a decisão do STF afirmam que o art. 5º, inciso LVII, da Lei Fundamental estabelece que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, eis a aclamação explícita do princípio da presunção de inocência. Porém, esquecem ou omitem o fato de que o art. 5º, expressa em seu § 2º  que:  "Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte". É nesses "outros direitos" que se encontram os direitos de toda a coletividade, que não podem ser excluídos. No caso, seguimos a Convenção Americana de Direitos Humanos e o Pacto de São José. Nem mesmo ali  encontramos  o duplo grau de jurisdição  sendo interpretado como uma garantia absoluta de impunidade, como mesmo disse o Ex- Ministro Joaquim Barbosa.
                       Ora, a nossa Constituição, quando estabelece o duplo grau de jurisdição, quer que todos os condenados em processo criminal tenham o direito a que sua sentença condenatória seja revista  em segunda instância por uma corte, um colegiado de um Tribunal.  Assim, dois princípios podem ser ressaltados no artigo 5º , da Constituição Federal:
 a)inciso LV - "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".
          b) inciso LVII  - "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.                           
             Entendo que a garantia constitucional não se refere de maneira peremptória sobre a impossibilidade de prisão do recorrente já em segunda instância. Temos que é possível a sim a reconfiguração semântica dos termos constitucionais feitas pelo Supremo Tribunal Federal, principalmente quando alguns advogados tentam transformar o sentido da presunção de inocência em instrumento utilizado para eximir seus clientes do dissabor que deve ser enfrentar o cárcere, cumprindo sua pena para se redimir do dano que causou perante uma  sociedade que tanto clama por justiça.
            Diz a boa doutrina que o princípio da inocência surge diante do antigo princípio da verdade sabida, onde bastava  alguém afirmar que viu uma determinada pessoa cometendo um crime para que esse fosse preso, julgado, considerado culpado e condenado. Hoje já não existe mais o princípio da verdade sabida, pois é preciso antes se provar  de maneira clara e contundente que o acusado realmente  é o autor do fato delituoso. As provas  apresentadas e constantes nos autos do processo, portanto, são os meios mais consistentes e  importantes para  se comprovar a  ocorrência, a autoria do fato bem como o nexo de causalidade. Assim, foi que a presunção de inocência  se estabeleceu como um golpe contundente  contra o antigo e injusto princípio da verdade sabida.
            Mas, havemos de considerar e concordar que presunção de inocência e decretação de prisão são coisas distintas.  Não há nenhum artigo que garanta que todo o  criminoso tenha o direito de recorrer em liberdade, não podendo ser preso antes  que o processo seja transitado em julgado, com condenação definitiva onde não lhe caiba mais nenhum recurso. Até porque há a preclusão e a decadência que impõem um agir do estado,  dentro de um determinado lapso de tempo, o que contribui muito para a impunidade do réu.  Esse é apenas um entendimento, uma compreensão sobre o sentido dos termos, o que pode ser mudado, dependendo do momento conjuntural do país. Porque podemos considerar que não há garantia jurídica absoluta, enquanto as palavras puderem ser interpretadas de diversas formas. E, juridicamente quem deve fazer uso interpretativo em termos constitucionais é o Supremo Tribunal Federal.
                              Por outro lado, os tribunais superiores não foram criados para servirem de meios procrastinatórios dos processos, adiando deliberadamente o início do cumprimento da pena por meio de recursos que, em princípio, deveria ter a finalidade precípua de rever e modificar  ou não  uma decisão condenatória em primeira instância. Se confirmada por um tribunal em segunda instância, não vejo razão para  que, dependendo do estado de contumácia e grau de periculosidade do  delinquente condenado, essa prisão não possa ser decretada em favor ao bem estar de toda a coletividade. Quer-me parecer que alguns juristas esquecem que o interesse coletivo  se impõe aos interesses meramente individuais.
                   Há algum tempo atrás tivemos a relativização do princípio do direito adquirido. Há tantos e tantos casos em que cidadão de bem  recorrem ao judiciário, dotados de todos os elementos comprobatórios de seu direito adquirido, mas a nova interpretação do fato que ensejou esse direito o exclui da seara e das garantias  jurídicas. O que dizer desses casos?  O que dizer, por exemplo, do  servidor público que teria direito adquirido à incorporação de uma  determinada gratificação depois de cinco anos corridos ou  sete  alternados, mas que não tendo sido transitado em julgado o estado retirou e nada se pode fazer, que que o STF, mesmo considerando e reconhecendo tal direito, alega que só se para se houver recursos para o estado pagar? Hoje, não há mais direito adquirido absoluto. Em muitos casos, o sujeito ganha, mas não leva porque o Estado não tem condições de pagar. Poque não se pode prejudicar uma coletividade inteira para atender a um grupo de indivíduos, ainda que sejam direitos garantidos pela Constituição.
                       Na verdade, as garantias constitucionais existem para  que haja uniformidade na interpretação das leis  e a efetiva aplicação de seus  princípios fundamentais, diante de uma república federalista como é o caso do Brasil. No  caso dos Tribunais superiores, tendo em vista que vivemos numa Federação, as leis de âmbito federal e, no caso da constituição federal, o STF. Ora, como dá para concluir, em princípio, esses órgãos superiores devem se ocupar em  garantir que as leis federais e a constituição nacional sejam  aplicadas de maneira  unânime em todo o território nacional, da maneira que foi prevista  e querida pelo legislador. Portanto, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.
              E, para concluir, o bom jurista deve fazer uma interpretação sistemática da Constituição para  alcançar o sentido do que foi disposto pelo Poder Constituinte originário e Reformador quando da elaboração e modificação do texto constitucional. Assim, concordando que a nossa Carta Magna não impede que o réu possa ser preso já  numa condenação em segunda instância,  colaciono um inciso que deixa isso bastante evidente:
                 Diz o art. 5º, LXI -  "ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei".
       Já as hipóteses legais previstas no art. 312, do Código de Processo Penal,  estabelece os fundamentos em que a prisão preventiva poderá ser decretada  em qualquer fase do processo como – “garantia da ordem pública, garantia da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal –, quando houver prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria (pressupostos da prisão preventiva).

        Como se pode perceber, o princípio de inocência é uma coisa, poder constitucional  e legal reconhecidos ao estado-juiz  para decretação de prisão  de réu condenado em segunda instância é outra coisa.

                 Sobre essa questão, eu gostaria de colacionar parte de uma decisão no STJ,  quando julgava um HC impetrado por um réu condenado, pedindo o direito de Apelar em liberdade. STJ - HABEAS CORPUS HC 96054 SP 2007/0289405-7.

                "Para que o réu possa aguardar em liberdade o julgamento dos recursos extraordinários, que não possuem efeito suspensivo, a sentença condenatória deve, expressamente, conceder a ele o direito de recorrer em liberdade até o trânsito em julgado da condenação, o que não ocorreu no caso. 3. Não obstante a apelação ter sido exclusiva da defesa, a expedição de mandado de prisão após o exaurimento das instâncias ordinárias não configura reformatio in pejus, uma vez que a execução provisória do julgado constitui mero efeito da condenação. 4. A previsão de expedição de mandado de prisão somente após o trânsito em julgado da condenação, nos termos do art. 675 do Código de Processo Penal , não alcança os recursos sem efeito suspensivo. 5. Habeas corpus denegado."
                Uma coisa é o duplo grau de jurisdição, outra coisa é o direito a infinitos recursos. Nessa última questão, temos  já  implantada e não mais apenas  uma sensação de impunidade. Temos instalado no país a própria certeza da impunidade. Hoje, as testemunhas e as vítimas ficam com medo de prestarem depoimentos por conta de que os bandidos representam uma ameaça constante. O Estado não tem condições de garantir a segurança de ninguém.
               Os bandidos cometem crimes  motivados principalmente pelas peripécias de seus advogados que,  fazendo mau uso dos excessivos recursos  e  das brechas da lei, lutam para manter seus clientes fora da cadeia,  cadeia esta que,  se de um lado é punitiva do crime, também serve como forma de desestímulo  aos que  desejam  seguir o caminho da criminalidade. Pelo menos,  com a certeza de que serão presos e punidos a partir da confirmação de sua condenação em segunda instância ou, como preferirem, em segundo grau de jurisdição, juntamente com um trabalho paralelo de educação,  a criminalidade tende a diminuir.
                  Mas, o problema agora se concentra  exatamente, pasmem, na falta de vagas nos presídios. Incrível  como  gastamos bilhões e bilhões  na construção de estádios de futebol, com desvios  de verbas e tudo, mas não temos dinheiro para construir novos presídios. É dessa forma que vamos mantendo bandidos perigosos nas ruas e agindo, inclusive, contra a própria polícia. Tudo isso  nos deixa uma sensação de fraqueza  e  impotência, porque o estado  parece não dar prioridade à punição dos criminosos. Temos sim, muitos ladrões de galinha presos e o crime organizado imperando por aí.
                   Eu só gostaria de deixar claro que para mim há dois tipos de criminosos: os que praticam crimes por um acaso, por uma eventualidade,  e os que são profissionais do crime, que são contumazes. Portanto, deveria haver dois tipos de tribunais separados: um para julgar criminosos eventuais, que são aqueles cidadãos honestos, ordeiros que por uma circunstancia qualquer, perdem o equilíbrio e se envolvem  na prática de algum delito. E outro para julgar os criminosos  contumazes, que já forma condenados pela prática do mesmo crime, os ostensivamente perigosos, que representam uma ameaça ao estado democrático de direito. tudo seguindo o princípio da especialização. Cada macaco no seu galho".



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