Impávido colosso
Uma das coisas mais importantes que
existem nas relações humanas é a comunicação, exatamente porque ela se trata do
meio de interação mais comum entre as
pessoas. Muitos dos nossos problemas são
resolvidos através da comunicação. Lamentavelmente, ela se transformou num
monstro capaz de engolir classes sociais inteiras, principalmente as dos menos
favorecidos, através de um processo de
exclusão que já vem de longe.
Não é de hoje que o
etnocentrismo (1) linguístico existe. Os gregos e os romanos já caracterizavam
como bárbaros aqueles que não faziam parte dos seus respectivos grupos sociais.
Contudo, tomo a liberdade para excluir desse
grupo as mensagens do Senhor Jesus na forma de parábolas, uma vez que seu povo
estava dominado pelos romanos, a quem se
denominava “ os de fora”.
Existem várias maneiras para se alcançar uma comunicação. Os seres humanos costumam
se comunicar através de códigos comuns, que são
desenvolvidos e estabelecidos
previamente entre as partes envolvidas nessa dinâmica. Muitas vezes, até por
gestos os seres humanos são capazes de
conseguir uma boa cognição
das mensagens canalizadas. Muitos desses
códigos passam a fazer parte do universo
cognitivo de determinados grupos
sociais. O mais comum, no entanto,
trata-se da comunicação através do uso das palavras. Os seres humanos se comunicam, comumente fazendo uso
das palavras estruturadas em frases. Porém, não se pode expressar um determinado pensamento através do uso
de qualquer ordem nem de qualquer
palavra. É preciso, antes, que se conhecer o grau de instrução e de conhecimento dos
destinatários, para que se observe o nível de linguagem mais adequado. É de crucial
relevância, então, o cuidado na hora de
escolher as palavras que farão parte do repertório
do pensamento que pretendemos expressar.
Os
realistas sabemos que o mundo é separado em dois grandes grupos: o grupo das
elites e o grupo dos plebeus. O grupo das elites é formado por pessoas de boas condições
econômicas, dotadas de elevado conhecimento.
São pessoas que tiveram a oportunidade
de estudar em boas escolas e por essa razão adquiriram uma grande
bagagem cultural. Já no grupo dos plebeus,
encontramos as pessoas
de classes sociais consideradas
inferiores, mais humildes e, portanto, com pouco acesso ao conhecimento.
Evidentemente, as regras para a
comunicação são sempre estabelecidas pelo grupo das elites. Um acervo constituído por palavras e expressões que estão sempre nas
rodas sociais onde
normalmente comparecem figuras ilustres, do
mais alto gabarito.
Portanto, é
importante que todos procurem se
comunicar através da linguagem que as elites consideram uma linguagem culta,
independente da classe a que pertençam. Afinal, se por um lado existe um acervo constituído por palavras e expressões que estão sempre nos circuitos culturais da mais alta estirpe.
São vernáculos oficialmente
estabelecido pelos eruditos senhores,
pessoas de profundo conhecimento do idioma e, portanto, dignos de toda a nossa respeitabilidade. Do outro lado, existe um
hiato enorme entre a oferta desse acervo cultural e as condições de acesso das
classes menos favorecidas.
É importante que se fale, também, das
dificuldades de acesso ao sistema educacional disponibilizado pelo estado às classes sociais mais pobres. Porque foi exatamente
por uma busca de preservar uma cultura
excluída pelas elites dominantes que o
povo passou a se comunicar fazendo uso
de linguagens alternativas. Como, por exemplo, as gírias. As gírias são
palavras sem sentido para a grande maioria das pessoas e surgiram entre as populações das camadas
sociais mais humildes. São termos considerados chulos. Segundo muitos eruditos,
originadas de um povo sem educação e sem princípios. Muitos consideram
a gíria uma criação de gente sem
educação e sem princípios. Sem educação
eu até posso considerar, mas sem princípios, nunca. Porque, seja lá como for, tanto
as gírias como as expressões
eruditas devem servir de
instrumento para a comunicação entre as partes. Neste pensar, podemos
considerar que existem duas categorias
de linguagem básicas: a linguagem culta, criada pelas elites, e a
linguagem de variados conceitos e preconceitos, criada pelo povo,
que podemos encontrar disseminada nos
diversos meios de comunicação, dando margem a neologismos popularizados.
E por falar em comunicação e níveis de
linguagem, falando sério, quantos brasileiros você acredita que conhece
o significado de algumas expressões presentes nos nossos
Hinos oficiais? ‘Impavido Colosso”,
por exemplo, presente no nosso Hino Nacional? E
“soberbo estendal”, do glorioso Hino
de Pernambuco? Quantas pessoas das classes mais humildes estão interessadas
em desvendar o significado dos eloquentes verbetes
que fazem parte das composições de vários hinos,
nacionalmente falando, que se
traduzem em símbolos da nossa pátria brasileira e dos diversos entes federados? Para a grande maioria dos mortais isso pouco importa, pois basta cantá-los
apenas mexendo com os lábios, como
se vê muito por aí, fazendo de conta que
se está realmente acompanhando,
compreendendo e sentindo tudo o que está
sendo expresso e cantado naquele momento.
Na verdade, são poucos os que se interessam em conhecer o que significa a maioria das palavras presentes nos hinos que
estão cantando. Como tocar o coração das pessoas mais simples
impondo-lhes o sentimento contido
naquelas expressões que lhes parecem tão estranhas sem a devida comunicação? Com o devido respeito, deitado
eternamente em berço esplêndido até lembra
a
imagem de alguém adormecido em seu leito monumental cheio de esplendor. Mas,
quem quer permanecer deitado quando os
desafios nessa vida nos convidam a levantar-se, a ficar de pé e caminhar a passos largos na direção das grandes realizações e nos
impulsiona a lutar pelos nossos sonhos e pelos nossos ideais?
O povo brasileiro é acostumado a se levantar muito cedo para trabalhar, numa verdadeira vida severina, como tão bem foi cantada em versos e prosa pelo nosso
poeta João Cabral de Melo Neto. É preciso se ter sensibilidade no momento de escolher uma linguagem que permita uma melhor interação com o povo. E, nesse sentido, creio que a grande maioria
compreende e sente muito mais o que canta o rei do baião, Luiz Gonzaga. Porque o povo conhece e compreende muito mais as expressões contidas em
canções como “Aza Branca”,
“Assum Preto” e ”Último Pau de Arara”. Exatamente porque elas
falam da dor e de um sentimento oriundos de suas raízes e de sua realidade cotidiana.
Não que eu esteja querendo agora denegrir a beleza da melodia nem dos versos que compõem o nosso Hino Nacional. Longe de mim tentar macular uma verdadeira obra de arte, que há tempos está inserida na mente e no coração de todos nós brasileiros. O que deve ser respeitado. Até porque eu sempre me emociono quando ouço o nosso Hino Nacional tocando, principalmente, diante do olhar testemunhal de nossa bandeira hasteada. Embora acredite que isso aconteça muito mais por conta de sua contagiante melodia, devo confessar. Mas, creio que as palavras que compõem o texto do nosso Hino Nacional refletem a soberania da pessoa ou do grupo que fez suas escolhas. Apesar de representar uma ruptura com o sistema político que imperava até então, as palavras demonstram pouca preocupação em se comunicar com a grande maioria do nosso povo.
Algumas palavras eruditas, assim como as gírias, são vocábulos que expressam o sentimento e a ideologia predominante em um determinado grupo social, numa determinada época. Essa é uma característica muito utilizada no Direito e na Medicina, por exemplo. Alguns jargões utilizados estão ao alcance apenas daqueles que exercem a profissão. Poucos conhecem o significado dos significantes utilizados na comunicação entre seus profissionais. De uma certa maneira, podemos até considerar que existe um forma de excluir os demais. Quem sabe não foi por causa desse processo de exclusão da arte imposta pela sociedade erudita que surgiram as gírias nas classes dos excluídos? Assim como as canções elitizadas deram margem ao surgimento do popular rock’n roll.
Não que eu esteja querendo agora denegrir a beleza da melodia nem dos versos que compõem o nosso Hino Nacional. Longe de mim tentar macular uma verdadeira obra de arte, que há tempos está inserida na mente e no coração de todos nós brasileiros. O que deve ser respeitado. Até porque eu sempre me emociono quando ouço o nosso Hino Nacional tocando, principalmente, diante do olhar testemunhal de nossa bandeira hasteada. Embora acredite que isso aconteça muito mais por conta de sua contagiante melodia, devo confessar. Mas, creio que as palavras que compõem o texto do nosso Hino Nacional refletem a soberania da pessoa ou do grupo que fez suas escolhas. Apesar de representar uma ruptura com o sistema político que imperava até então, as palavras demonstram pouca preocupação em se comunicar com a grande maioria do nosso povo.
Algumas palavras eruditas, assim como as gírias, são vocábulos que expressam o sentimento e a ideologia predominante em um determinado grupo social, numa determinada época. Essa é uma característica muito utilizada no Direito e na Medicina, por exemplo. Alguns jargões utilizados estão ao alcance apenas daqueles que exercem a profissão. Poucos conhecem o significado dos significantes utilizados na comunicação entre seus profissionais. De uma certa maneira, podemos até considerar que existe um forma de excluir os demais. Quem sabe não foi por causa desse processo de exclusão da arte imposta pela sociedade erudita que surgiram as gírias nas classes dos excluídos? Assim como as canções elitizadas deram margem ao surgimento do popular rock’n roll.
Tudo foi escrito apenas para dizer que é preciso que se trabalhe no sentido de construir artes com mais inclusão social. É preciso que o
poder se aproxime mais do povo excluído,
valorizando a comunicação através do uso de vocábulos
simples e de uma linguagem sem rebuscamentos. Que se possa falar de uma maneira
objetiva e clara, para que haja uma maior interação entre todas as
aldeias. Quem sabe se melhorando os níveis de comunicação entre
todas as classes sociais, sem egoísmos e sem vaidades. Sem preciosismos na utilização da palavras. Quem sabe, de fato, não construiremos juntos a grande nação que tanto sonhamos,
para que ela seja melhor compreendida, e verdadeiramente se torne a pátria amada por todos e para todos
os brasileiros.
1.
Etnocentrismo é um conceito antropológico, que ocorre quando um determinado individuo ou
grupo de pessoas, que têm os mesmos hábitos e caráter social, discrimina outro,
julgando-se melhor, seja por causa de sua condição social.
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