Reimplantação da GIP. E agora?
Na teoria, a nossa legislação nos garante uma indenização pelos danos sofridos
por atos ilícitos ou ilegais praticados por outrem. Mesmo atos considerados
lícitos também podem originar direitos a uma indenização. Contudo, na prática, nem sempre a vítima consegue lograr
êxito, mormente quando os atos danosos
forem praticados por uma autoridade pública, no exercício do seu
sagrado poder. Infelizmente, ainda existe uma certa blindagem com relação a
isso. Muitos atos administrativos são
verdadeiros desvios de finalidade, onde o
princípio da legalidade serve apenas como sustentáculo aparente, usado para
mascarar a sua verdadeira intenção ilícita e danosa. É assim que muitas autoridades
escondem as irregularidades causadoras
dos mais crueis e injustos prejuízos ao patrimônio das vítimas. E, exatamente, por se
encontrar o ato acorbertado sobre o manto do relativo
princípio da legalidade, temos que assistir, passivamente, a presunção de
legitimidade e da veracidade, sempre presente nos atos administrativos, sendo
utilizados como fundamento para revestir o fruto de uma fantasiosa necessidade de urgência.
Há quatro anos atrás, vários servidores do tribunal de justiça de Pernambuco foram
surpreendidos com a publicação da famigerada
Intrução Normativa nº 08 de 2008, da lavra do então presidente, Des.
Jones Figueredo Alves. Através dessa
instrução normativa, considerada constitucional, o referido presidente determinou a supressão da parcela denominada “Estabilidade
Financeira”, que era devida aos servidores, desde o ano de 2001, por conta de Acórdãos
transitados em julgado, dependentes, apenas, de uma decisão definitiva, já em
nível de ação rescisória em andamento, impetrada pelo estado. Esse
ato presidencial, até então, apesar de ter-me causado surpresa, foi
considerado legítimo, lícito, pois
estava dentro dos princípios
constitucionais vigentes. Nele ainda se vislumbrava alguma ação, aparentemente,
bem intencionada, em zelar pelo interesse
e pelo erário públicos. Do ponto de vista da honestidade e da coragem, nada
mais correto. Para os insurgentes, restava identificar o ponto da
controvérsia e recorrer à justiça para que ela se pronunciasse a respeito e
apontasse quem estava com a razão: se o presidente ou os servidores. Afinal, o art. 5º da Constituição Federal, em seu inciso XXXV estabelece que “ - a lei não excluirá da apreciação do
Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Mas, lamentavelmente, sua excelência não se deu por
satisfeito. O fato que mais causou
indignação veio a seguir. Depois de
determinar a supressão da Estabilidade Financeira dos servidores, a
qual ficou resumida a uma pequena parcela autônoma na remuneração, equivalente a menos de dez
por cento, o ex-presidente, des. Jones Figueredo, editou outro ato normativo
determinando a imediata retirada de uma outra gratificação desses mesmos
servidores, denominada Gratificação de Incentivo à Produtividade (GIP), paga a
todos os servidores do judiciário pernambucano. Ao mesmo tempo, ele condicionou
o restabelecimento da referida
gratificação ao comparecimento “espontâneo” do servidor, ao departamento de recursos humanos do
tribunal para assinar um documento adredemente preparado, onde teria que renunciar ao seu legítimo direito de ação,
com relação à Estabilidade Financeira. Caso esses servidores quisessem ter de
volta a Gratificação de Incentivo à Produtividade (GIP) retirada por ele, teriam que desistir de suas pretensões de lutar judicialmente pelo
restabelecimento integral da antiga parcela recebida a título de estabilidade
financeira, na forma como havia sido estabelecido legalmente em Acórdão. Mas, por que e para que ele fez isso? Como pôde um ato dessa natureza, de
tamanha ofensa à legalidade, ter sido apoiado
pela grande maioria dos desembargadores que compõe o nosso Poder Judiciário de
Pernambucano? Vários requerimentos solicitando a revisão e anulação do referido ato presidencial foram impetrados pelos
servidores, mas foram todos indeferidos.
Diante das dificuldades causadas pela brutal redução em sua remuneração,
o que ainda seria agravado pela falta de reajuste, os servidores se viram
obrigados a cederem diante da imposição presidencial e muitos optaram pela restituição
da gratificação de incentivo à produtividade, renunciando, dessa forma, ao seu sagrado e legítimo direito de recorrer
ao pronunciamento do judiciário. Lembro-me que durante a minha efêmera
participação na audiência popular
realizada no dia 20 de agosto de 2009, pelo Conselho Nacional de
Justiça, falei exatamente sobre essa questão. Sobre o direito penal ressaltei a
questão do princípio “in dubio pro réu” , onde havendo dúvida, a decisão deve
ser a que favoreça o réu. Com relação ao direito constitucional, fiz alusão ao
princípio da “novatio legis in
mellius” Sempre que houver amplicação da liberdade do réu ou condenado, a lei
há que ser tida como a mais favorável. A CF e o CP determinam que somente pode
retroagir a lei mais benéfica ao réu. Já em matéria administrativa, frisei a norma contida no Art. 192, da lei nº 6.123, de 20 DE Julho de 1968, ( Estatuto do
Servidor Público de Pernambuco ), que
expresa o seguinte: - “Verificada em processo administrativo acumulação proibida
e comprovada a boa fé, o funcionário optará por um dos cargos. Indaguei, então,
por que não foi dado o livre direito de optar? Por que foi aplicada a
penalidade mais gravosa, já que nos foi retirada a gratificação que tinha o
maior valor? Tudo isso foi falado na presença dos dois últimos presidentes, os
quais permaneceram indiferentes e nada fizeram para mudar a situação.
Agora, quatro anos depois, depois de tanto sofrimento, de tantos prejuízos, de
tantas injustiças, o atual presidente do tribunal, des. Jovaldo Nunes, defere o pleito da categoria, para restabelecer a
referida gratificação de incentivo à
produtividade (GIP) aos servidores prejudicados, sem que esses tivessem,
obrigatoriamente, que renunciar ao direito de recorrer à justiça, como havia
sido imposto pelo desembargador Jones Figueredo. Contudo, o atual presidente descartou, de uma vez, os
últimos resquícios da estabilidade financeira que ainda constava na remuneração
dos servidores.
A seguir, colaciono uma parte destacada do conteúdo de sua decisão: DECISÃO: “Cuida-se de pedidos de restabelecimento da Gratificação de Incentivo à Produtividade (GIP) aos vencimentos ou proventos dos requerentes, sem renúncia ao direito à percepção da parcela de estabilidade financeira tipificada pelo código nº 164. Em favor de sua pretensão, apontam a decisão desta Presidência tomada no Processo n° 038/2012-SEJU(RP 43131), assim concebida:DECISÃO: Cuida-se de pedido de restabelecimento da Gratificação de Incentivo à Produtividade (GIP) aos proventos dos requerentes, sem renúncia ao direito à percepção da parcela de estabilidade financeira tipificada pelo código nº 164. Em favor de seu pleito, sustentam que vinham recebendo normalmente ambas as parcelas até o mês de setembro de 2008, quando, no mês seguinte, foram surpreendidos com a subtração da parcela de código nº 164, com o advento da Instrução de Serviço nº 8/2008 e, com a alteração desta pela IS nº 1/2009, sofreram a retirada da GIP, o que reduziu drasticamente seus proventos. Afirmam que a GIP é inerente ao cargo e percebida por todos os servidores judiciais, a teor do que dispõem.”(....)
“Forte nessas razões, defiro o presente pedido para autorizar o restabelecimento aos
proventos dos Requerentes da Gratificação de Incentivo à Produtividade (GIP) na
exata conformidade da vigente legislação de regência da remuneração dos
servidores do Judiciário, suspendendo-se,
em contrapartida, o pagamento da Parcela
de Estabilidade Financeira Código 164 , ressalvando que a opção ora
externada não implicará renúncia aos direitos e vantagens dos quais os
Requerentes se julgam credores, a qualquer título, na ação judicial em que
contendem com a Administração.” “Recife,
04 de maio de 2012. Desembargador JOVALDO
NUNES-Presidente do TJPE.”
Quero parabenizar essa louvável atitude do eminente Presidente
do TJPE, des. Jovaldo Nunes, que, inclusive, já havia anteriormente concedido um
reajuste salarial aos servidores, os quais, além de tudo, ainda amargavam uma defasagem salarial de
quatro anos. Lamento, mas tenho que destacar dois aspectos que ainda não
ficaram muito bem esclarecidos para mim: se por um lado, a presidência do TJPE
determinava a retirada das mencionadas gratificações,
por outro lado, determinava o pagamento de várias quantias atrasadas aos
juízes e desembargadores do tribunal de
justiça de pernambuco, aumentando ainda mais a nossa indignação, principalmente
nos momentos em que abríamos o site do tribunal, na página onde se via o contracheque.
Coincidentemente, apenas depois de quatro anos ( e olha que durante esse período houve muito movimento por parte da categoria,
inclusive, greve, mas de nada adiantou) quando já terminara o pagamento dos
referidos atrasados é que, finalmente, a presidência decidiu reajustar a remuneração dos seus servidores e
restabelecer a GIP. Isso é, no mínimo
curioso. Será que prevaleceu o velho adágio popular que diz “farinha pouca o
meu pirão primeiro”? Vai lá saber. O importante é que a maioria dos servidores ficou satisfeita.
Agora, eu fico me perguntando, cá com os meus botões: por que sua excelência não aproveitou a oportunidade e não declarou nulo o artigo que determinou a retirada da GIP? Por que sua
excelência não reconheceu o direito
retroativo dos servidores
prejudicados e o dever legal e moral desse tribunal de devolver os valores ilegalmente
retirados de sua remuneração? Vale lembrar
que, na época, sua excelência esteve entre aqueles desembargadores que
apoiaram os atos praticados pelo então presidente, des. Jones Figueredo,
votando contra os direitos dos servidores, apesar de já ter sido um servidor
como todos nós. Acho que sua excelência deveria reconhecer o erro e a ilegalidade daquele ato infeliz,
determinando a imediata devolução dos valores indevidamente suprimidos da
remuneração dos seus servidores, desde sua origem. Lamento, mas tenho que expressar esse meu
sentimento, senhor Presidente, já que as nossas entidades representativas não têm
coragem de fazê-lo publicamente em seus sites. Talvez porque acreditem que esse
comportamento possa prejudicar futuras negociações ou dificultar o acesso à sua
execelência. Talvez eles estejam muito
mais preocupados com as aparências do que com a busca da verdade. O que não é o meu caso. Independente do
respeito que lhe devo e da gratidão pelo gesto que teve ao assumir a
presidência, não consigo conviver com a
mentira. A mentira sempre me causou
angústia e a verdade tornou-se o único remédio
capaz de aliviar essa dor.
Por
isso eu pergunto: e agora? Quem vai arcar com as consequências por todos os
danos causados a várias famílias, durante todo esse tempo? Há suspeitas, inclusive, que por conta das medidas contidas nas aludidas
instruções normativas, muita gente
adoeceu com problemas de depressão. Muitos colegas morreram e suspeita-se que o quadro foi mais agravado devido a indignação diante
de tamanha injustiça.
Não
foi fácil, senhor presidente. Não foi fácil. Muitos, como eu, perderam a credibilidade na imparcialidade da
justiça. No Ministério Público, onde se esperava um posicionamento mais
contundente diante desses fatos, nada
foi feito em benefício dos servidores.
Lá, apenas indiferença e inércia. Creio
que será impossível comensurar o tamanho da dor e dos danos causados a diversas famílias, e em particular, a cada um dos servidores prejudicados. Alguns,
já idosos, aposentados, que cumpriram seu dever e receberam a ingratidão e uma
desumana punição por ter ganhado na justiça o direito de receber uma determinada gratificação prevista
em lei. Ainda tiveram a sua honra maculada, pois foram considerados usurpadores do erário,
perante a opinião pública, por auferirem valores indevidos. Além de tapa,
coice.
Faço
esse registro, senhor presidente, apenas
com a esperança de que isso nunca mais volte a se repetir. Que a cúpula do poder respeite o devido processo legal. São os
senhores que devem dar o maior exemplo de respeito aos direitos consagrados na
nossa Carta Magna. Errar é normal, afinal, somos todos seres humanos. Mas, o que incomoda mesmo, senhor presidente, é a
falta de humildade e essa incapacidade de reconhecer o erro e de pedir
desculpas publicamente a todos aqueles
que foram vítimas desse erro absurdo. Misericódia, Senhor Deus.
Misericódia.
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