Fé, Razão e Justiça
Exitem
pessoas que, quando assistem a uma discussão entre dois contendores, costumam tomar o partido daquele que está com a razão. – “Ele está com a razão.” Afirmam isso de uma maneira peremptória, colocando
razão e justiça como faces de uma mesma moeda. Muitos
dizem isso em silêncio, sem considerar o verdadeiro sentido da palavra
razão. Deixam de atentar para o fato de que o termo
razão, nessas circunstâncias, está
sendo utilizado como antônimo, isto
é, no sentido oposto ao conceito das coisas que consideramos erradas.
Dessa forma, quando afirmamos que
um dos lados está realmente com a razão, a contrário senso,
estamos afirmando que o outro lado está errado.
Certo?
A razão nos parece algo que aprendemos a aceitar como
aquilo que está correto. Mas, não
conheço nenhum dicionário da língua portuguesa que classifique a “razão” como antônimo da palavra “errado”. Essa confusão semântica certamente não foi implantada no meio da nossa
sociedade por acaso, ou sem nenhuma intenção. É evidente que isso deve ser mais um dos trunfos adredemente concebido por uma
ideologia dominadora. Através da razão
passamos a aceitar com maior facilidade as ideias e as questões
que nos são apresentadas como corretas. Somos acostumados a não pensar muito, assim é que a abstração nos parece algo
tão distante e tão cansativo. Pois se trata de um universo restrito apenas aos intelectuais.
Devido à falta de investimento na educação, a
grande maioria do povo se sente insegura em tecer seus argumentos e suas opiniões. Diante
da falta de conhecimento de causa, muitos
não tem a confiança necessária para tomar
uma atitude com plena liberdade. Principal,mente quando for uma
decisão que siga na contramão dos
valores impregnados, há séculos, no seio da sociedade. Exatamente por faltar os argumentos e os fundamentos necessários sentimos dificuldades em aceitar
qualquer proposta de mudança porque fomos educados a agir sempre da mesma maneira: obedecendo e seguindo as orientações
de alguém que se apresenta como donos da
verdade e nos levam a acreditar que tudo o que fazem é para o bem de todos. Diante de um sistema
preconceituoso e opressor, agimos como barquinhos postos a navegar no leito de
um rio perene, a cada dia mais controlado por grupos minoritários. Ainda
que seja um rio que nos leve para
onde não sabemos, ou não queremos, preferimos
confiar e acreditar que estão nos conduzindo para um
lugar melhor no futuro. Simplesmente, não nos interessamos em saber qual será o destino final dessa nossa
misteriosa viagem. Por uma questão de comodidade, muitos preferem
não pensar e acompanham a maioria, seguindo os comandos daqueles que ocupam a
cúpula dos poderes constituídos. Se eles dizem isso, é porque conhecem. Se estudaram muito para isso, é porque devem estar com a razão. E
ponto final.
O uso da racionalidade tem tudo a ver com as
respostas e os argumentos frequentemente utilizados, diante das indagações mais
corriqueiras, como a origem do bem e do mal, por exemplo. Tantas
vezes, culturas populares sucumbem diante
das constantes interpretações mal intencionadas dos textos contidos nos livros sagrados. Poucos sabem, mas as Missas eram todas
realizadas em latim e os Padres ficavam de frente para o altar e de costas para o público. Como poucos tinham acesso
ao latim, acreditavam em tudo o que era transmitido pelas lideranças eclesiásticas.
Porém, se antes o império da fé era algo indiscutivel, incontestável por estar na base da estrutura social; se antes a fé bastava
para justificar toda sorte de
sacrilégios praticados contra o povo por falta de conhecimento da verdade; hoje
já não se tem a mesma facilidade. Quando
tudo ainda era apenas uma questão de tradição e inocência,
onde as palavras que saíssem da boca de alguma autoridade religiosa não adimitiam contradições e eram de imediato acatadas
pelos fieis, hoje, isso já não acontece da mesma maneira. Diante de tanta hipocrisia e de tantas pregações enganosas que foram e ainda serão reveladas, a fé precisa, cada vez mais, dos
recusos pertinentes à razão. Diante de tantos erros cometidos no passado por diversos líderes inescrupulosos, a razão surge como uma proposta moderna de libertação, que nos conduz a uma era de novos horizontes. Mas também,
de novos questionamentos. Diante
da presença da racionalidade, já não é
mais suficiente dizer ao povo que ouviu
pessoalmente tais e tais ordens diretamente de Deus, para depois ditá-las com o propósito de estabelecer um
comando verticalizado, desumano e desonesto apenas com o intuito de
dominar e explorar as pessoas. Principalmente, aquelas mais humildes, onde existe uma maior carência de solidariedade.
Agora, mais do que nunca, faz-se necessário uma lógica naquilo que se declara
com aquilo que se pratica. Espera-se um comportamento mais transparente, uma coerência mais concreta por parte das
lideranças, principalmente as lideranças religiosas. A razão
tornou mais difícil a manipulação
e a submissão do povo. Muitos daqueles
que controlavam com mãos de ferro o conhecimento sobre a
Bíblia e, que na maioria das vezes,
utilizavam-se desse
conhecimento com o objetivo maior de
permanecer no controle social,
mantendo-se sempre no exercício do poder, indicando, inclusive, aquele que seria o seu sucessor, alegando que
essa seria a vontade de Deus, hoje já
não encontram a mesma facilidade. O que vem acontecendo no oriente médio nos
últimos tempos, por exemplo, ilustra
muito bem essas referidas dificuldades enfrentadas por suas tradicionais lideranças.
Mas, ainda se alimenta a prática e a
propagação de mentiras, de injustiças sociais e de violências, principalmente, contra aqueles menos favorecidos. Infelizmente, atos dignos de reprovação cristã
ainda continuam acontecendo. Muito pouco
tem sido feito pela comunidade internacional para mudar essa realidade. Líderes religiosos ainda insistem em propagar e
alimentar a exclusão, o preconceito e o
sepatismo no mundo inteiro, espalhando o ódio,
dúvidas e questionamentos sobre
os ensinamentos e a grandiosidade do Senhor Jesus Cristo. Muitos
chegam a negar a sua existência e sua divindade. Outros o confundem com um mero profeta, com um bruxo, um feiticeiro, ou com um médiun mais
evoluído. Fundamentam seus discursos
hipócritas em trechos isolados contidos na Bíblia, quando sabem que a maior parte contida no Antigo Testamento foi
didicada à história do povo Hebreu.
Muitas questões ali abordadas dizem
repeito apenas a um determinado contexto
social e a uma conjuntura que fez parte da evolução social incipiente de um
povo.
De certa maneira, podemos
dizer que o conceito de razão está
intrinsecamente relacionado com o sentido de libertação democrática, através do acesso livre à informação, cada vez mais à
disposição do povo. Nesse pensar, temos
que reconhecer que o sisma protestante liderado por Martins Lutero teve uma
importante parcela de contribuição para a evolução e o crescimento da humanidade. Foi Lutero
que, em 1524, traduziu o Novo Testamento do tradicional Latim, para o idioma alemão, tendo essa brilhante
iniciativa posibilitado, não somente a leitura e o conhecimento dos textos bíblicos
por grande parcela da população excluída,
como tambem, serviu de exemplo para que
outros teólogos, dotados de tamanha cultura e sabedoria fizessem a mesma coisa
em outros idiomas, descentralizando o poder e o controle exercido pela Igreja
católica. Sua iniciativa e sua coragem ajudaram a difundir pelo mundo o
conhecimento das Escrituras Sagradas. Uma
bela e desafiadora iniciativa que possiblitou o acesso ao Novo Testamento pelas mais
diversificadas classes sociais. Quero
registrar, contudo, que o protestantismo
defendido pelo grande teólogo Lutero, o
qual tinha muita dignidade e merece todo
o nosso respeito e todo o reconhecimento, infelizmente não se confunde com a maioria dos movimentos de evangelização que vemos nos dias atuais. Muitos deles são apenas
enganadoras pirotecnias, utilizadas para
impressionar e iludir o povo. Não passam de mentiras espetaculosas, que em nada
contribuem com a obra do Senhor Jesus.
Eu só gostaria de destacar
que a razão, fruto de uma lógica
racional humana, nem sempre nos conduzirá
ao lado mais correto. É preciso,
antes, que se faça uma profunda reflexão e se busque aquilo que é justo. Muitos exercem seus
julgamentos fundados apenas no conceito de razão, pois confundem a razão
com o que se considera humanamente correto. Mas, a razão deve sempre sucumbir
diante daquilo que for justo. Não há razão que possa suplantar a justiça. Pois
a razão exprime apenas um artefato racional, fruto de uma lógica que pode
partir de uma premissa falsa e enganosa, que pertence à seara da engenharia humana mal intencionada. Mas, o conceito e o
sentido da palavra justiça deve fundamentar
toda a nossa razão, pois é a
justiça um bem maior que nos aproxima do reino de Deus.
Para diferenciar razão e justiça, deixarei um dos muitos
exemplos mais singelos que existem. Qual
foi a razão pela qual Jesus foi
condenado e crucificado? Muitas podem
ser as respostas encontradas. Agora, eu pergunto: Foi justo a condenação do Senhor? O que você faria se estivesse
no lugar dos Fariseus daquela época? Ficaria
do lado da razão ou da justiça?
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