O direito de greve no setor público

         Gostaria de convidá-lo, caro leitor,  para uma breve reflexão a respeito do direito de greve, nos moldes estabelecidos na nossa Carta Magna.  É preciso  fazermos uma indagação sobre o verdadeiro sentido e alcance da magnitude do  termo “trabalhadores”  expressamente inserido na nossa Constituição Federal, art. 9º,  pelo Poder Constituinte Originário.  Eu entendo que os servidores públicos também estão contemplados ali, uma vez que, sem nenhuma sobra de dúvidas, essa categoria, também,  pertence à classe dos trabalhadores brasileiros.   Contudo, grande parte da sociedade parece esquecer que os  servidores públicos  são,  de fato,  trabalhadores. E, ao contrário do que muitos pensam e propagam por aí, não se trata de uma  categoria dotada de privilégios, como pretendo  demonstrar a seguir.
         Considerada uma categoria  de trabalhadores dotada de alguns atributos considerados,  equivocadamente, privilégios, a exemplo da estabilidade no cargo, alguns servidores são acusados de negligentes e preguiçosos, por se sentirem confiantes demais. O  povo, de uma maneira geral, parece  esquecer e não considerar que os servidores públicos também são  trabalhadores, como todos os demais.  Na verdade,  uma grande injustiça precisa ser corrigida: o  estigma de que servidor público é vagabundo, boa vida, que ganha muito e trabalha pouco.  Muitos não sabem, e  por isso mesmo, não reconhecem que a  famigerada estabilidade no cargo, na realidade, representa uma  garantia para toda  a sociedade e não somente para o servidor, o qual  precisa desempenhar suas funções com imparcialidade, dentro dos princípios da  legalidade e  da impessoalidade, independente de qual partido político esteja no exercício do poder. Aliás, há  muito tempo que a estabilidade deixou de ser um direito absoluto, pois os maus servidores poderão sim, serem  punidos, até com  a perda do cargo público.
           Mas, diferentemente do que acontece na rede privada, o servidor público não pode ficar a mercê de chefes, de políticos desonestos,  corruptos, que imponham um determinado comportamento ao servidor, que o intimide, sob a constante ameaça de demissão, como normalmente acontece  na rede privada. Seria um caus para a sociedade se  os servidores  se visem obrigados a obedecer uma ordem de seu superior hierárquico, mesmo sabendo que se trata de um ato prejudicial ao erário e ao povo, com medo de perder o emprego. Por essa razão,  entendo que a estabilidade existe em  função do interesse público.
           Um outro aspecto, não menos importante,  trata-se do direito de greve,  também conferido aos  servidores públicos. Devo lembrar, a priori,  que todos os servidores são cidadãos comuns, oriundos do  povo, para exercerem uma função de  grande relevância no Estado.  Diferentemente  de outros  trabalhadores, a categoria dos servidores públicos está  ligada ao conceito subjetivo de Administração Pública, cujas regras se impõem de forma imperiosa, por se tratar de um meio de realização dos serviços de maior necessidade da população e de aplicação das normas fundadas no príncípio do bem comum.  Portanto, servidor é um empregado do povo e não dos governos.
           Não  podemos negar que os servidores públicos podem e devem  exercer o direito de greve da mesma forma que os demais trabalhadores, principalmente,   quando o principal fundamento da greve seja o de exigir o cumprimento da lei por parte das autoridades,  bem como,  denunciar  os desvios de finalidade e os demais atos prejudiciais ao interesse público. Assim, entendo que se os servidores também estão inseridos na classe dos trabalhadores, não haveria nenhuma necessidade para se tratar novamente do direito de greve, de maneira  diferenciada, como está expresso no artigo 37, VII – “o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica.”  Aliás, diga-se de passagem, uma lei que nunca saiu do papel, exatamente  por falta de interesse político. Assim, este direito, por muitos anos,  ficou relegado a uma expectativa de direito, pois que  na dependência da confecção e publicação da mencionada lei por parte do Congresso Nacional.
             Essa omissão possibilitou a fundamentação de várias decisões judiciais, declarando a improcedência e a ilegalidade de várias greves praticadas por servidores públicos pelo país a fora. De tal forma, que quando os servidores públicos  deflagram qualquer movimento grevista, seja em qualquer esfera, o poder público, de imediato,  provoca o judiciário, requerendo  a decretação da sua nulidade,  visando a suspensão do movimento e o retorno dos grevistas aos seus postos de trabalho. Normalmente, o judiciário defere o pedido da entidade requerente me,  sem ressalvas, determina o retorno imediato dos servidores ao serviço, sob ameaça de multa,  com valores altíssimos, imposta às entidades representativas  de classe, caso insistam em manter a greve.
              Além disso, o  golpe fatal  vem final do mês:  os salários são descontados. Aqueles  servidores que insistirem em permancer de braços cruzados  serão punidos com o desconto nos seus vencimentos,  atingindo-os  naquilo que lhes é mais caro:  a subsistência  de sua família.  A perda do  salário impossibilita  e  esvazia completamente  a continuidade de qualquer movimento paredista.  É bom não esquecer, jamais, que o salário representa o meio através do qual a classe trabalhadora consegue obter  os bens essencias à satisfação de suas necessidades básicas, como alimentação, moradia, plano de saúde, escola das crianças, entre tantas  outras. Portanto, são valores  comprometidos com diversas dívidas, assumidas  para suprir as  necessidades básicas e vitais  para  toda a família.  
   Por outro lado, quando algum magistrado tem a coragem de declarar a legalidade do movimento,  reconhecendo a procedência das reinvidicações em favor dos sevidores, sabe-se que, em algum momento,  em alguma instância superior,  essa decisão certamente será revogada. Há  aqueles que  insistem, inclusive,  que os servidores públicos não podem exercer o direito de greve em sua plenitude, pois o interesse público se sobrepõe aos  interesses individuais.   Muitos alegam que as atividades consideradas essenciais, envolvendo certos setores, não podem sofrer paralizações, por conta da necessidade de  sua prestação de forma  contínuada.
     Porém, todos sabemos que, dentro de um  sistema capitalista, como o nosso, há muita distorção e muita mentira.  Desde épocas remotas, é  exatamente com a venda de sua força de trabalho que o povo consegue os recursos necessários à sua sobrevivência e de toda a família. Sempre foi assim que as riquezas foram produzidas. Ao longo dos anos, os meios de produção foram sendo concentrados nas mãos de poucas pessoas. Dessa forma,  o controle de toda a economia e o poder político do país sempre esteviveram nas mãos dos chamados capitalistas,  que são donos dos meios de produção, garantia de que o sistema de exploração da classe trabalhadora seja mantido, com preservação da  mão-de-obra farta e barata, como disse Marx.

          “Por razão dos frutos colhidos do trabalho na terra, homens exploraram homens, nasceram camponeses, servos e senhores, burguesia e proletariado, empregados e patrões, classes sociais distintas, presas à luta pelo enriquecimento ou apenas sobrevivência. A terra que a princípio era direito de todos, com as descobertas quanto ao seu uso, e aos meios desenvolvidos para nela se produzir, com o uso de mão-de-obra, retirou do trabalho seu caráter de prática livre, e uma vez este privatizado, ou colocado nas mãos de indivíduos com poder sobre os mais fracos, expulsou a maior parte dos homens de suas terras. O homem tornou-se escravo de sua própria mão-de-obra, a partir do momento que a vendeu.” 1

      É preciso deixa bem claro que  servidor público é empregado do povo e não do governo. O governo está ligado à atividade política,  exercida por pessoas eleitas em sufrágio. Normalmente, em um país que se diz  democrático, como é o Brasil, os políticos e autoridades  ocupam os  cargos, temporariamente. Quanto aos servidores públicos, estes ocupam  os cargos de maneira efetiva, através de um concurso realizado entre pessoas oriundas do meio do povo. Por isso, afirmamos que servidor público também é povo e não perde essa qualidade por ocupar  um dos cargos da Administração.
           Para  o exercício do seu mister,  com eficiência e isenção, os servidores públicos necessitam de algumas garantias, uma vez que, nos sistemas democráticos,  os partidos políticos responsáveis pelo exercício do poder mudam constantemente. Os governos passam, os servidores permanecem.  Assim, quem permanece precisa da garantia de que não serão perseguidos, nem ameaçados de perderem os seus cargos, caso não sejam do mesmo partido ou  não comunguem com as mesmas ideias de quem esteja no exercício  temporário do governo.  A sociedade não pode ficar refém  de políticos corruptos. Não fosse assim,  certamente,  os  eleitos,  logo que tomassem  posse,  cuidariam de demitir os seus oposicionistas para colocar seus aliados nos cargos. Aqueles que, por sorte, permanecessem,  seriam constrangidos a realizar a vontade dos  poderosos, o que seria  bastante prejudicial à sociedade, por razões obvias.
          Além do mais, todos sabemos que muitos políticos  buscam o poder apenas para se locupletar e dilapidar o patrimônio  público. Aliás, as denúncias nos ministérios, por exemplo,  não param de acontecer.  Por isso mesmo, os servidores públicos, ao contrário do que  se prega por aí, devem ser os verdadeiros aliados da população no combate à corrupção. Devem ser  os verdadeiros fiscais do povo, pois,  inseridos dentro da administração pública, que já se encontra eivada de firmas terceirizadas e de contratos temporários, o que representa  uma porta escancarada para a corrupção, deve denunciar aos órgãos competentes, sobre qualquer irregularidade que chegue ao seu conhecimento.
           É por essas e outras razões que  precisamos de sindicatos  mais fortes e mais atuantes,  que denunciem os maus administradores, que denunciem a falta de políticas públicas, que lutem por melhores condições de trabalho,  para  que possamos prestar um melhor  serviço à população. Um sindicato corajoso,  comprometido com a verdadeira justiça, que denuncie o sucatemento dos vários  órgãos públicos, como a  falta de material para expediente, como a falta de leitos nos hospitais públicos, a falta de viaturas, a falta de investimentos nas escolas públicas, os prédios caindo por falta de  cuidados,  entre tantas outras denúncias,  como fraudes às licitações,  desvio de verbas públicas, que chegam de toda a parte ao conhecimento da sociedade. Normalmente são denúncias graves  feitas por servidores de carreira, que são,  antes de tudo, cidadãos indignados com a postura hipócrita e  antidemocrática de alguns gestores. Por tudo isso, dá para se imaginar porque alguns governantes detestam tanto os servidores públicos  e tentem  prejudicá-los, atingindo-os no bem mais caro: o bolso.
           Talvez, por considerá-los  adversários e não como  aliados,  os servidores são tratados como  verdadeiros antagonistas dos interessses pessoais de alguns maus políticos.  Desde épocas remotas, eles vem padecendo com a aplicação de políticas salariais injustas, de achatamento salarial, de desvalorização de seu trabalho e de acusações  difamatórias.  Atualmente, a remuneração da grande maioria dos servidores do país é constituída por adicionais, gratificações, auxílios, entre outros penduricalhos, oriundos de políticas que  chegam a agredir a dignidade da pessoa humana. Por outro lado,  o alto escalão dos governos são beneficiados com subsídios, com reajustes e ganhos reais garantidos, através da vinculação dos seus  aumentos. Como se não bastasse, os servidores ainda são acusados de vagabundos, de preguiçosos, de  marajás. Alguns dizem levianamente  que  servidor  público ganha demais e trabalha de menos. Tudo isso, com um único objetivo: justificar  uma política de congelamento e de  achatamento dos salários dos trabalhadores.  Há muito tempo que inexiste uma política salarial de reposição justa das perdas salariais causadas pela inflação. Aliás, nem existe mais nenhuma política de recomposição dos salários dos servidores. Devo lembrar que reposição das perdas inflacionárias não se trata de aumento de salário, mas da preservação do seu poder aquisitivo. O que existe, na verdade, são  planos de cargos, carreiras e vencimentos (pccv) que, na maioria das vezes, são verdadeiras armadilhas contra os  servidores, como a exemplo,  deste último projeto produzido pela direção do TJPE, que serve apenas para criar cargos comissionados, que são aqueles ocupados sem concurso público e  pagos com altos salários.  
            Alguns servidores trabalham insatisfeitos, é bem verdade. Talvez , por se sentirem humilhados pelo tratamento discriminatório por gestores públicos, impondo  uma política de desvalorização, sem um  reconhecimento do seu trabalho. Há notícias de que muitos servidores, inclusive, chegam a ser humilhados, maltratados, assediados moralmente em seus locais de trabalho, pelas autoridades a quem deve obediência. Muitos adoecem  e são obrigados a ficar afastados do serviço e, por essa razão,  ainda  são punidos com a  redução dos seus vencimentos. Impressionante: além de serem castigados, quando na ativa,  pela falta de uma política clara de  reajustes dos seus vencimentos, os servidores são obrigados a continuar trabalhando. Eles retandam ao máximo a  sua aposentadoria para não  sofrerem a redução de aproximadamente cinquenta por cento em sua aposentadoria.
         É preciso dizer que os servidores públicos são cidadãos, parte do povo brasileiro, que se prepararam muito para  exercer uma nobre função. O compromisso da grande maioria dos servidores é com o trabalho, com a ética e com a honestidade dentro da Administração pública.  Por isso mesmo, quando a categoria percebe certas manobras prejudiciais ao interesse público,  recorrem à greve como um  recurso extremo,  utilizado em defesa do interesse da sociedade.   A greve é um dos poucos  instrumentos  disponibilizado pelo Poder Constituíte originário,  para se combater a injustiça salarial. Uma greve  deve ser utilizada, também,  para  denunciar os maus administradores e os desvios de finalidade cometidos.
         A greve age no meio social exatamente como  uma dor em nosso organismo, indicando  sempre que há algo de errado ocorrendo dentro  do nosso sistema e  avisa  que um determinado corpo  precisa de cuidados urgentes. Muitas vezes, é através da greve que o povo toma conhecimento de fatos ocultos, sórdidos,  ocorridos nos bastidores, atraindo a atenção e os olhares de toda a sociedade.   Certamente,  por essas e por outras razões, alguns poderosos detestam as greves e se utilizam de campanhas infames, para desmolarizar, perseguir, desmotivar  e esvaziar os movimentos  paredistas. Mas, o povo é o maior juiz e deve analisar e julgar a situação com  imparcialidade.
“O surgimento da palavra greve deve-se a uma praça de Paris, denominada Place de Grève, na qual os operários se reuniam quando paralisavam seus serviços com finalidades reivindicatórias, podendo ser definida como um direito de autodefesa, consistente na abstenção coletiva e simultânea do trabalho, organizadamente, pelos trabalhadores de um ou vários departamentos ou estabelecimentos, com o fim de defender interesses determinados”.2
           
         Por tudo o que foi exposto, defendo a tese de que a greve é um instrumento legal que merece permanecer com o status  constitucional, e que deve ser utilizada  sempre  em defesa do interesse público. Quando servidores paralizam a prestação dos serviços não o faz por vontade própria, por egoismo ou porque não querem  trabalhar. A greve decorre,  muitas vezes,  pela falta de diálogo, pela instransigência do poder. Quando são frustradas todas as possibilidades de negociação, o movimento fica inevitável.  Os poderosos optam,  então,  pelo comportamento mais fácil, responsabilizar os servidores, aplicando-lhes a medida mais mesquinha, mais cruel e mais covarde, capaz de inviabilizar um  movimento grevista: o desconto,  sem dó e sem piedade, das remunerações dos servidores paredistas, ignorando a alternativa  reconhecida, inclusive, pelo Conselho Nacional de Justiça, de oportunizar-lhes  a compensação dos dias parados.
           Um Juiz imparcial deveria  analisar cuidadosamente  qual a verdadeira  motivação da grave, e quando houvesse fundamento, deveria estabelecer um dissídio para toda a categoria, determinando o cumprimento da lei por ambas as partes, e cobrar dos gestores  as explicações necessárias, bem como, a tomada de providências.  
           Deus ilumine as nossas mentes e nos aponte uma saída para esse impasse. Que o Senhor nos mostre  uma forma eficaz  de lutar contra tantas  injustiças. Que o verdadeiro Deus da Justiça dê a cada um desse maus gestores a recompensa merecida, conforme as suas obras. Esse é o meu maior desejo. Deus seja louvado.  

Referências obtidas através do site:


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