Fé, onde começa a paz?
Infelizmente, quando acontecem fatos como os recentes atentados ocorridos na França, há uma grande comoção no mundo inteiro. Aqui no Brasil, como não poderia ser diferente, as pessoas se uniram nas redes sociais para apoiar as vítimas e condenar tanta violência, tanta barbaridade, e pediram a paz. É como se de repente um sentimento comum de compaixão tomasse conta das pessoas que, em momentos assim, compartilham mensagens e imagens com demonstrações de solidariedade em relação às vítimas. Palavras de ordem são usadas como instrumentos de indignação e de libertação da alma por conta da angústia, da dor e da perplexidade diante de atos tão chocantes.
São nesses momentos, em que mais nos sentimos impotentes, ainda temos que reconhecer a nossa incapacidade de lutar contra um inimigo tão covarde e tão ardiloso como os terroristas. As pessoas se solidarizam e se unem, talvez porque saibam que ninguém está livre de vir a se tornar uma vítima do terror. Afinal, é quase impossível se prevenir contra esse tipo de ameaça, porque não dá para saber o que de fato se passa na mente doentia dos terroristas. Porque eles parecem não amar sequer a própria vida como nós amamos. Porque a fé dos terroristas parece contrariar a própria lógica. A fé para eles não está baseada no medo como acontece no mundo ocidental. Na religião praticada pelos terroristas, ao contrário, a morte é sinônimo de libertação para uma eternidade gloriosa ao lado do Criador. Talvez esteja aí a grande dificuldade para se compreender como pode alguém servir de homem bomba para destruir o inimigo, mesmo sabendo de antemão que ele também irá morrer. Eles, de fato, acreditam na vida após a morte, e por isso não se ocupam de alimentar medo e do apego terreno como nós ocidentais. Porque eles acreditam que morrendo da maneira que morem em "batalhas contra o inimigo", como dizem, serão recepcionados como verdadeiros heróis lá no céu, porque morreram lutando contra os inimigos de Alá.
Nós ocidentais até que acreditamos e pregamos que existe uma vida melhor em abundância ao lado de Deus. Mas, na verdade, a grande maioria confessa que prefere ficar por aqui o máximo de tempo que puder. Até pregamos a volta do espírito em muitas outras vidas, em corpos diferentes. Por conta do apego, pregamos que iremos para o céu, mas no fundo queremos mesmo permanecer neste mundo, para poder usufruir de todas as suas beneficies e dos prazeres que os bens materiais podem nos oferecer. Somos escravos exatamente disso. Coisas de hipócritas.
Parecidos com eles, também temos uma fé que não admite contrariedades. Nem que a ciência prove o contrário nada muda, pois a nossa fé é sagrada. Se a religião diz que pau é pedra, todos os seus seguidores são obrigados a acreditar e repetir, sem contestações, que pau é mesmo pedra. Talvez isso aconteça porque sejamos um povo educado para crer nas coisas que são ditas pelos governantes e pelas lideranças religiosas, pessoas dotadas de elevado conhecimento e de uma sabedoria ímpar.
É fato que as religiões ocidentais se fundamentam em dogmas que pregam o medo e o conformismo para os seus seguidores. Diante do sofrimento e das injustiças praticadas pelos poderosos, a título de consolo, sempre ouvimos frases do tipo: - Deus proverá. Afinal, cada um tem aquilo que faz por onde merecer. Parece que a função das religiões do lado de cá é a de convencer o povo a aceitar a sua condição de miséria e esperar que um dia sejam todos agraciados pela justiça divina. O Estado, os governos, os políticos, os empresários, nem um deles tem culpa por tudo de ruim que está acontecendo. Nenhum deles se responsabiliza pela violência e pelas injustiças que acontecem na vida da população mais carente.
Isso é o que chamamos de luta pela paz mundial. Queremos uma forma específica de paz. A paz sem violência ostensiva, sem o caos visualizado publicamente. É esse tipo de paz que estamos sempre pedindo e pregando através dos meios de comunicação e nas ruas. Contudo, não podemos confundir a verdadeira paz que vem da alma com uma induzida aparência de paz social. A paz é uma conquista que precisa antes da construção de um modelo social mais justo e mais verdadeiro, onde as ações praticadas pelo homem mantenham uma lógica com o seu discurso. Porque enquanto existir a injustiça fundada na exploração do povo, como se as pessoas fossem escravos do capital esse tipo de paz será impossível.
Mas, haverá sempre uma esperança. Porque da mesma forma que ocorreu a Inquisição que condenou à morte tantos inocentes e hoje demonstram arrependimento pelo mal que causaram à humanidade em nome da fé, quem sabe um dia os terroristas também não cheguem à mesma conclusão e se arrependam dos seus crimes mortais e busquem uma reconciliação com a humanidade mais uma vez. Digo que nos resta apenas esperar para ver o que será de nós, em nome da fé.
Comentários